Leitores por amor, conhecimento ou pela fuga?

Quando pensamos em literatura, imediatamente associamos a um cenário promissor, onde bem sabemos que por meio dela, há a possibilidade e a potência transformadora de uma sociedade.
Como já mencionado no post anterior, “O poder da Literatura”, o índice de leitores, ao contrário do que muitos acreditam, vem diminuindo, especialmente dentro do ambiente escolar.
Isto se deve a variados fatores, tais como, estrutura do sistema de ensino, relações familiares e às transformações históricas e sociais.
Pesquisas apontam queda no interesse pela leitura, sobretudo dos clássicos, muitas vezes resultado de uma obrigatoriedade que mais preza pela forma e quantidade, do que pelo conteúdo e qualidade.
Ainda que a literatura de cura, conhecida como healing fiction, gênero este, que prioriza histórias com finais felizes, trazendo um cenário ficcional mais acolhedor esteja em alta entre os que leem, o nível de esgotamento e cansaço que a sociedade enfrenta, atribuído à necessidade de ser multitarefa com bom desempenho, a velocidade crescente, causa um efeito rebote.
O indivíduo com acesso à evolução da ciência e da tecnologia, ainda torna-se refém de sua própria criação, e a histeria da produtividade corrobora para um fenômeno de crises psicossomáticas, diminuindo assim a produtividade, e a disposição para qualquer prática que fuja à rotina. Além do mais, reduz também a percepção que se tem de si mesmo, ampliando a sensação de ser subjugado pelo seu próprio potencial criativo/produtivo.
Dados como estes, fortalecem a declarada epidemia global, a solidão, que segundo a OMS – Organização Mundial da Saúde, atinge principalmente jovens e idosos.
De acordo com o levantamento, os jovens e os idosos seriam os mais afetados.

A necessidade de identificação, de afeto, ligada aos desgastes nas relações pessoais e profissionais, tem proporcionado um afastamento social cada vez mais relevante. Basta observar com mais atenção aos posts compartilhados por meio das redes sociais, em que vemos a busca por relacionamentos à distância crescer – seja no âmbito da amizade ou no amoroso – porque enfrentar a realidade lá fora parece menos atrativa e confiável.
A partilha de gostos e interesses, ampliada pela janela virtual onde as semelhanças se convergem, torna-se comum, e deixa principalmente os mais jovens, à vontade para exporem também seus medos e fragilidades. E é aí que a literatura mais uma vez torna-se instrumento de inclusão, transformando a rotina em algo mais prazeroso e seguro.
Por meio dos livros e suas histórias reais ou ficcionais, o público se identifica, mas também é projetado para outras realidades, onde se sente capaz e livre para sonhar, acreditar e se expressar.
Em contrapartida, mesmo com todas essas possibilidades desenhando um cenário promissor, infelizmente, esconde-se também neste contexto um inimigo perigoso, a introspecção, moldada pelo estresse, medo, cansaço extremo e apatia social, que impede a execução de atividades simples e antes prazerosas.
Muitos querem socializar e devido às dificuldades nas relações, preferem mergulhar no universo literário, onde podem transformar seus espaços em um lugar seguro.
Os livros neste caso, ainda que possam ser refúgio destes leitores, dado a estes níveis de associação, os adoecem.
A partir do momento em que a vida se recoloca num extremo, seja de que a imagem do outro é sempre melhor do que a nossa, de que não somos capazes de enfrentar as adversidades, ou de que a vida que acontece lá fora já não importa mais como a que acontece somente aqui dentro, urge um sintoma por vezes crônico, a sensação de vazio que usa por exemplo, o game, a televisão ou os livros como escape, e não como algo promissor.
Esta solidão em discrepância que faz com que o sucesso seja entendido como ser sempre melhor do que os outros, sempre ultra produtivo no gerir da própria vida, transforma instrumento propulsor em sepulcro.

É fundamental esclarecer que os livros promovem sim, benefícios para a nossa saúde. Estimulam a criatividade, melhoram a memória, o raciocínio, ampliam o vocabulário, aumentam a empatia, mas acrescidos de um cenário que não seja dos melhores, podem estar mascarando possíveis problemas emocionais num público disfarçado de leitor.
Sem contar ainda com os inúmeros “leitores de estante”, que infelizmente nada mais são do que colecionadores de capas bonitas e que nem se quer mantém atenção real na leitura que fazem – quando realmente fazem.
O que é promissor, e particularmente me deixa positiva, é perceber que entre tantos cenários, que ocultam pseudos leitores, há ainda um mercado próspero, que vem estimulando um novo e variado público por meio de oficinas literárias, clubes literários, que são frequentemente realizados, tanto de forma online quanto presencialmente, não restritos somente às livrarias, mas sim, cada vez mais alavancados por pessoas comuns, com empregos comuns, mas que veem na literatura não somente entretenimento e nem tão somente aprendizado, mas sobretudo, ponte e caminho de transformação.

Por Amanda da Silveira Lopes
Instagram @faroldaspalavras

 

 

 

 

Amanda da Silveira Lopes

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