Tenho setenta anos e passo a maior parte de meu tempo sozinha. Mas não sou uma pessoa solitária. Nem depressiva. Nem amarga. Tenho familiares que me amam. Tenho amigos, os melhores que alguém poderia ter. Minha convivência com eles é muito mais saudável do que a maioria dos casamentos que conheço. Meus amigos estão comigo na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. A maioria deles há várias décadas: trinta? quarenta? cinquenta? Não tenho marido, não tenho cachorro, só uma gata para puxar pelo rabo ( e eu nem sou louca de puxar o rabo dela, pois ela me arranhará). Talvez tenha aprendido comigo. Não me puxem o rabo que eu arreganho os dentes e, se insistirem, arranho e mordo. E esqueço. Esqueço as pequenas mágoas, as pequenas decepções, as pequenas frustrações. Tudo que é pequeno eu esqueço. Esqueço também gente pequena. De mente pequena. De coração pequeno.
Aos setenta as saudades são grandes, imensas. De pessoas, de momentos, de circunstâncias, de locais, de gostos, de cheiros. As lembranças viram e mexem estão povoando meus pensamentos. Remexem meus sentimentos. Nessas horas, ligo a tevê para deixar o passado no passado e entrar no presente. Aprendi há muito tempo que o futuro pinta por si só. Sim, às vezes o futuro chega arrastando correntes, às quais dou o nome de consequências. Aos setenta, o futuro são pantufas macias no inverno, um bom par de óculos e um livro ainda melhor. No verão saladinhas, refrescos e uma brisa na hora certa. Sem correntes de ar para não provocar pneumonias!
Se é verdade que os setenta são os novos cinquenta, talvez eu tenha ainda alguns anos para escrever meus textos, dar meus passeios curtos, conhecer novos autores e novos artistas, antes de abominar as novas tecnologias, os novos modos dos adolescentes e, principalmente, antes de dizer que o mundo está perdido ou que qualquer mudança nos costumes é o sinal do fim dos tempos.
E talvez não. Quem sabe, de repente, um vento me leva? Uma dor no peito? E depois, o nada!