A minha humilde intenção, neste artigo, como operadora do Direito e profissional atuante na área protetiva à Mulher, é demonstrar a real importância da lei criminal tipificar como crime a violência psicológica, que já era descrita na lei como um dos tipos de violência doméstica que assolam mulheres de todo o Brasil.
Com o aumento crescente da violência contra as mulheres, podemos afirmar com convicção que as mulheres conhecem realmente o Direito que as protegem? Conhecem todos os mecanismos de defesa jurídicos, administrativos, policiais, enfim, todo o aparato disponível pelos órgãos governamentais ou não governamentais, a ponto de se sentirem seguras pela rede de proteção atual e terem a coragem de acioná-las?
Ora, o desconhecimento do próprio Direito e os meios de exercê-lo, por vezes, inibe a coragem imprescindível a mulher de procurar o local competente de auxílio, deixando de alguma forma coibir a agressão sob todas as suas formas e, assim, realizar a contento a sua segurança, de seus familiares e até amigos.
Assim, devemos, todos, como cidadãos, conhecer uma das mais importantes alterações legislativas recentes no combate à Violência Doméstica que é uma necessidade notória, alteração que vem contribuindo para a melhoria da proteção das mulheres no Brasil.
A Lei 14.188/2021, publicada e promulgada no último dia 28, trouxe o aumento de pena no crime de lesão corporal contra mulher, por razões da condição de sexo feminino e a criação do tipo penal de violência psicológica contra mulher.
Desse modo houve, pois, a inserção, no Código Penal, do crime de violência psicológica, de modo que nos atentaremos no presente artigo a comentar apenas este novo tipo penal e suas implicações práticas para a mulher no Brasil.
“Artigo 147-B — Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”.
Segundo o tipo penal, entende-se por violência psicológica contra mulher, o ato de causar um dano emocional, desde que prejudique ou perturbe o seu desenvolvimento mental; degrade ou controle as suas ações, comportamentos, crenças e/ou decisões.
Atente-se ao fato de que o tipo penal está aberto, ou seja, pode ser praticado por qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica da mulher e sua autodeterminação.
Mas qual a diferença efetiva quando a lei penal penaliza o agressor?
No meu humilde entender, se a lei penal erigiu esta ação como uma ação típica, culpável e punível, e o fez em razão da importância social deste tipo de violência e o quão importante e essencial é coibi-la, ato a ser repugnado por todas as esferas de Poder.
A violência psicológica é tão aterrorizante para a mulher quanto uma violência física, tornando imprescindível que todas as redes de proteção governamentais darem o devido tratamento e acolhimento às mulheres vitimadas, recomendando treinamento, capacitação e conhecimento.
Mas será que mesmo com a criminalização, esta violência tem sido mensurada em sua real prejudicialidade pelos aplicadores do Direito ou mesmo pela sociedade?
A meu ver, quando um juiz de Direito nega uma medida protetiva de urgência baseada em fatos consolidadores somente neste tipo de violência, porque não acompanhados da tão conhecida violência física, está de fato diminuindo o real valor deste tipo penal na lei criminal e, como consequência, a real possibilidade protetiva da mulher.
Está não só diminuindo a real dor sofrida pela mulher mas também diminuindo a importância social do tipo penal, abrindo campo para que novas violências surjam na vida desta mulher, pois bem sabemos que a violência física muitas vezes decorre de inúmeras violências psicológicas anteriores.
Essa indagação vem de uma constatação real nos casos de Direito de família em que atendo.
Muitas vezes, a análise realizada por um servidor homem (gênero) traz consigo , mesmo que inconsciente, o machismo estrutural enraizado, algo que faz parte de nossa sociedade de forma silenciosa e por que não dizer de forma completamente injusta.
Ora, os casos apresentados de violência psicológica devem ter um olhar mais acurado do aplicador do Direto ou do servidor atendente, um olhar humanizado, afinal, “esse alguém” poderia ser sua mãe, uma filha querida ou sobrinha, enfim, pessoa que você pudesse amar muito e como qualquer pessoa, merece acolhimento, proteção e dignidade e o melhor tratamento de todos.
O melhor seria era se fazer acompanhar com um especialista na área do Direito de família no atendimento público.
Vamos nos conscientizar, de uma vez por todas, de que a dor psicológica, por si só, é capaz de transformar e “acabar” com o mundo feminino, pois quando uma mulher se vê nesta situação, no âmbito doméstico ou fora dele, de ser humilhada, cerceada em suas opiniões, crenças, comportamentos, e até do seu direito de ir e vir, trabalhar, ter amigos, enfim, viver e fazer suas próprias escolhas, mediante ameaças constantes, diminuição de sua auto-estima, constante vigilância e isolamento, tem sua felicidade sabotada como ser humano, dada a vulnerabilidade da mulher numa sociedade eminentemente machista e desigual.
Ora, não se trata “só de uma violência psicológica”, transcrevendo a fala assertiva de alguns homens, mas da existência de um crime, mesmo quando não acompanhada de um “tapa”, um “espancamento” ou uma lesão corporal leve ou grave ou qualquer outro tipo de violência física.
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)
A violência psicológica, por si só, é devastadora e, em alguns casos, fulmina vidas e deixa para trás outras vítimas como filhos, mães, pais e parentes em completa desolação.
Deixa marcas patentes no psicológico e é responsável por gerar efeitos funestos como a depressão e o suicídio.
A dor psicológica exemplificativa na lei, proveniente ou não de um dano moral, doem muitas vezes mais que as dores físicas e marcam mais a dignidade da mulher, em certas circunstâncias.
Mas será que os homens e mulheres agressores sabem que o simples fato que não permitir uma mulher trabalhar está cometendo um crime?
Ou que a vigilância constante, perseguição contumaz, ocorrida quando um homem ou mulher, ex-namorado (a), ex convivente, consorte, etc, tem ciúmes excessivo ou a mulher está num relacionamento abusivo, é obviamente um ato que precisa ser muito melhor visto, protegido e tratado com o mesmo empenho que a violência física?
Proibir de ver seus sfamiliares ou amigos, de professar sua crença, através de manipulações, chantagens emocionais, o ato de ser descridibilizada em sua fala e opiniões, desconcertam o mundo íntimo da mulher, e a deixam insegura, depressiva, principalmente quando esta depende economicamente do agressor, afetando filhos e família.
Assim, preciso frisar a importância do bom atendimento policial, adequado e condizente à gravidade do caso, quando se tratar de violência psicológica, principalmente agora quando esta foi erigida na lei penal como crime.
Infelizmente, conheço casos aterradores, seja no âmbito admimistrativo, judicial, policial, em que o mal atendimento de uma mulher, vilipendiada em seus Direitos mais comezinhos (direitos humanos), foram acompanhados de uma análise fria e minimalista, que não comporta o real estrago causado à mulher, em seu mundo interior, deixando-se de prevenir novas lesões, chegando-se a desistência da ocorrência pela mulher, que já se encontra suficientemente fragilizada e se sente novamente re-vitimizada quando atendida.
A análise dos acontecimentos muitas vezes provêm de homens ou mulheres misóginos, que não reconhecem na violência psicológica a dor profunda da alma que esta é, geradora de consequências funestas para uma mulher, deixando de praticar a proteção legal oferecida pela lei penal.
A meu ver, medidas protetivas de urgência não podem ser negadas nos casos de violência psicológica, a fim de evitar novos estragos ao quadro psicológico desta mulher, a fim de romper a violência ou sua perpetuação,
Já ouviram em algum lugar que uma palavra às vezes fere mais que um tapa? Certamente sim. E isso é uma grande verdade que não pode mais ser ignorada.
Ora, este tipo de agressão acaba por “abrir as portas” para o início de outros tipos de violências. Se não “enxergadas” suficientemente, evoluem ao feminicídio, atos que hoje contribuem para o aumento do femicídio no Brasil. Assim, quando uma mulher é morta, certamente este não foi o primeiro ato de agressão, sempre vemos a preexistência de uma agressão psicológica, física, moral, patrimonial anterior e que a mulher se omitiu, “dexou passar”, perdoou e sequer relatou à Polícia.
Sabemos que cerca de 70% das mulheres vítimas de feminicídio no Brasil nunca passaram pela rede de proteção. Que a violência no Brasil só cresce a cada ano e o Brasil é o 5º País no Ranking Mundial de casos de feminicídio. Isso quer dizer que 70% das mortes a Polícia sequer teve a possibilidade de agir e isso é alarmante.
Acredito que não haja falta de clareza da lei, pois se trata de um crime e a mulher, nestes casos como em outros, precisa também de distanciamento e da concessão de todas as medidas de protetivas usualmente direcionadas ao caso, afinal, esta mulher precisa também distanciar-se de quem lhe faz mal e agride sua saúde mental, para poder se curar e levar sua vida em paz, recomeçar e sentindo-se novamente segura.
Sempre recomendo o apoio de um especialista na área durante o acompanhamento policial, pois, pelo menos, você se sentirá mais segura e certamente terá um tratamento mais humanizado e a exigência que direitos como atendimento sigiloso em sala apartada e prioridade de atendimento por uma mulher sejam seguidos a risca.
Mas e agora que a lei penal erigiu a violência psicológica como crime? Podemos simplesmente ignorar a omissão de um órgão judicial, policial ou outros ou lutar pela aplicação correta de nossos Direitos?
Então, você mulher, que está lendo este artigo, já se empoderou ou irá deixar que seu destino fique à mercê de outrem que lhe prejudica? Irá tomar o poder de sua própria vida em suas mãos e crer no teu potencial para mudar uma realidade ruim ao seu entorno e fazer valer seus Direitos?
Que todas nós merecemos dignidade e respeito: sabemos, o difícil é aceitar que o machismo e a violência “só psicológica” ou o poderio físico, não só submete a mulher a traumas às vezes irreversíveis, mas vilipendia sonhos, corações, almas, trazendo como vítimas indiretas crianças e adolescentes.
Como nos conformar a este estado permanente de caos, friamente consolidado na sociedade? Impossível.
Por favor, mulheres: exponham seus agressores no local competente, busque informações, deixe-se ser defendida, pois há uma luta real e essencial ocorrendo diariamente.
Venho, com a esperança, não vã, de uma cidadã e profissional, atuante nessa área tão humanista do Direito (violência doméstica) área tão complexa, expor ou quem sabe redirecionar um pensamento que parece intrínseco na mente coletiva: a violência está de fato crescendo ou as mulheres estão se empoderando mais e tendo a coragem de relatar as ocorrências e fugir da violência doméstica que as assola, e isso talvez justifique o aumento das ocorrências no Brasil?
As ações de conscientização estão gerando efeito benéfico nas mulheres, as palestras de auto-amor, empoderamento estão surtindo efeitos ou não. Eis um questionamento sério e crucial.
Eu escolho acreditar e ter a esperança que o empoderamento e o conhecimento do próprio valor estejam crescendo e que as mulheres, estão, de um modo geral, mais empoderadas no relato das ocorrências, sejam quais forem.
Eu acredito sinceramente nas redes de apoio e aparato públicos, que são a melhor solução para a segurança da mulher, claro, não são mecanismos perfeitos, mas são uma grande rede que melhora a cada dia, e que sim, precisa de melhor capacitação dos profissionais que laboram na área, e que precisam ser mais credibilizados para que não inibam as mulheres ao ponto de não procurarem ajuda.
Muitas vezes a sensação de impunidade e o medo a paralisam e isso a acaba matando. Sim, o calar-se mata muito mais que agir em sua própria defesa, mesmo que os mecanismos governamentais tenham a melhorar a respeito.
Fica o questionamento à você: você é otimista como eu ou já perdeu esta guerra social em suas opiniões e reflexões?
O feminicídio é a expressão fatal das diversas violências que podem atingir as mulheres em sociedades marcadas pela desigualdade de poder entre os gêneros masculino e feminino e por construções históricas, culturais, econômicas, políticas e sociais discriminatórias. A subjugação máxima da mulher por meio de seu extermínio tem raízes históricas na desigualdade de gênero e sempre foi invisibilizada e, por consequência, tolerada pela sociedade. A mulher sempre foi tratada como uma coisa que o homem podia usar, gozar e dispor.” Marixa Fabiane Lopes Rodrigues, juíza de Direito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
A lei diz que ao agressor pode ser decretada prisão preventiva ao desobedecer as medidas protetivas de urgência deferidas em favor da mulher que procurou auxílio na rede pública e as medidas protetivas que podem ser concedidas ao em desfavor do agressor incluem desde a I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III – proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios, VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
Sigo na esperança de que mais mulheres denunciem, ou vizinhos, parentes e amigos através dos canais competentes como o 180, em que a denúncia pode ser anônima e você não precisa se expor.
Encerro explicando que a Lei Maria da Penha a respeito dos tipos de violência deixa em aberto toda forma de violência, pormenorizada ou não na lei para que não se iludam a respeito do que é realmente uma violência ou um “tapa de amor”, já que o ciclo da violência é sempre conhecido e é sempre o mesmo para todas: primeiro o agressor bate, depois e arrepende, chora, pede perdão, promete às vezes até de joelhos não mais bater com um buque de rosas nas mãos, mima, diz que ama, que se excedeu e jamais irá agredir novamente e passado algum tempo, bate novamente quando não é obedecido ou quando realmente esta mulher não se submete à sua vontade/poderio.
Mulher, tenha coragem para fazer o certo por si mesma, se ame, se valorize, se torne independente e faça-se autor de sua própria existência. Você merece ser feliz, respeitada e se auto-conduzir pela vida, em todos os setores. É você quem manda. Não se acovarde, já que se assim você não o fizer, estará sendo cúmplice, quem sabe, de sua própria desventura.
Contem comigo para esta virada de página desta situação que esteja acaso vivenciando, que sempre poderá mudar de acordo com suas livres escolhas e convicções, tão bem protegidas pela nossa Constituição Federal em seu artigo 5º.
Grata pela oportunidade de aqui me manifestar.
Dra Fabíola Machareth – Advogada Pós Graduada em Direito de Família, Direito das Mulheres, Diretora da Associação “Mulheres em Ação”.
Excelente