O estelionato sentimental é um crime que ocorre no caso em que uma das partes da relação abusa da confiança e da afeição do parceiro amoroso com o propósito de obter “vantagens patrimoniais”.
Para deixar bem claro: a fraude se consubstancia pelo falso interesse amoroso do estelionatário (motivação fraudulenta), e pela intenção deliberada do agente de drenar o máximo de vantagens da vítima, causando-lhe prejuízo patrimonial em favor de seu locupletamento ilícito. E se consuma somente com o repasse de dinheiro. O objetivo do golpe é sempre obter benefícios financeiros ou materiais por meio da exploração emocional.
A conduta, hoje, encontra-se tipificada no art. 171 (estelionato comum), do Código Penal, que prevê penas de um a cinco anos. No entanto, diante do aumento exponencial de casos semelhantes, a Câmara dos Deputados, em agosto ao ano passado, aprovou a subemenda substitutiva ao projeto de Lei n° 4.229/2015, que tipifica o “estelionato sentimental”. A pena, de acordo com o projeto, poderá ser de dois a seis anos de prisão.
O criminoso utiliza de ferramentas de persuasão amorosa (vão desde a persuasão e manipulação, criação de histórias fictícias, chantagens emocionais, estória de pessoas doentes na família, etc) para, após o estabelecimento de um vínculo emocional, conquista da confiança, solicitar dinheiro, presentes ou informações pessoais com o objetivo de obter vantagens financeiras.para se aproximar da vítima e, então, obter vantagem ilícita.
Em alguns casos, relacionamentos perdurem por tempo maior e buscam também a contemplação em testamentos ou mesmo a transferência de bens para seu nome, simulação de contratos de compra-e-venda e até inserção em holdings patrimoniais.
Em suma, este é, portanto, o nome do novo para uma prática criminosa antiga e que ganha impulso com as redes sociais, vantagem indevida decorrente da relação de afeto e intimidade, com gravíssima violação da boa-fé objetiva.
Mais do que o patrimônio, a incolumidade psíquica da vítima e a sua própria dignidade sexual podem ser abaladas neste tipo de golpe amoroso.
Existem milhares de histórias na Justiça e constata-se a maioria das vítimas são mulheres. Uma pesquisa feita em abril deste ano e divulgada recentemente pela Polícia Civil do Distrito Federal revela que 83% das vítimas de estelionato sentimental ou amoroso são mulheres e 17% delas têm idade entre 25 e 30 anos. Apenas 15% são do sexo masculino.
Mulheres que acreditaram que era amor, mas acabaram sozinhas e endividadas. Induzidas a acreditar que viviam num relacionamento sério, quando, em realidade, caíam num golpe financeiro.
Em muitas ocorrências, o relacionamento chega a ser duradouro e só depois de meses, quando já desembolsaram grande soma de dinheiro, é que as vítimas percebem o golpe. Foi isso que mostrou também o documentário O Golpista do Tinder, da Netflix, que fez tanto sucesso no início do ano.
Vamos relatar um caso verídico circulando na internet: Giovana (nome fictício), de 26 anos: “ (…) ela ganhou uma ação na Justiça contra o ex-namorado depois de provar que foi vítima de estelionato sentimental — o processo na esfera cível rendeu indenização de R$ 25 mil por danos materiais e R$ 10 mil por danos morais. Ela conheceu o homem que se tornaria seu namorado pelo Facebook em 2020 — foi ele quem mandou uma mensagem primeiro, pedindo que se encontrassem. Giovana aceitou, eles se viram e começaram a ficar. Tudo ia bem: ele era carinhoso, fazia planos, e o casal passou a namorar. Foi então que, depois de meses, o homem contou que sonhava em ter uma moto. Certo dia, em um jantar a dois, ele pediu que ela fizesse empréstimo para comprar o veículo e disse que ajudaria a pagar. Em meio à lábia do companheiro, Giovana, que nunca tinha feito dívidas – nem mesmo para parentes próximos -, aceitou pegar R$ 14 mil emprestados. A moto foi comprada em nome de um familiar do namorado e foi vendida depois, sem que ela recebesse nada. O namorado estava cada vez mais ausente, sumia nos finais de semana, ao mesmo tempo em que fingia fazer planos a dois: para se casar com Giovana, sugeriu que ela depositasse R$ 5 mil na conta dele — o dinheiro, afirmava, seria usado para comprar um apartamento.
Mergulhada em dívidas, a jovem descobriu que ele tinha outra namorada — para quem também pedia dinheiro. Ela terminou o relacionamento e acionou a Justiça. “Minha cabeça girava, tentando entender por que aconteceu isso”, lembra. “Entrei em depressão, meu cabelo começou a cair, engordei bastante. Ele me deixou no fundo do poço, endividada.”
O crime de estelionato estaria abarcado nesta tipificação geral.
171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
Mas ocorre que o estelionato afetivo viola não só o financeiro mas também os deveres de confiança e de lealdade, além de causar frustração, insegurança, vergonha e constrangimentos para a vítima, o que constitui fato ofensivo ao seu direito de personalidade.
Ora, se a conduta for tipificada como estelionato, o bem jurídico tutelado deverá ser somente o patrimônio. E essa não parece ser a realidade.
Afinal, não se discute que há uma grave ocorrência de violência psicológica contra a mulher, ainda que o estelionato não se restrinja a vítimas do sexo feminino. (Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento (…)
Além disso, a dignidade sexual pode ser vulnerada como pano de fundo para a lesão patrimonial almejada. Isso porque é comum que, pela conexão sexual, os criminosos busquem reduzir a resistência da vítima, drenando com maior facilidade o seu patrimônio.
Imperioso citar, nesta senda, o crime do artigo 215 do Código Penal, costumeiramente conhecido como “estelionato sexual”. A meu ver, se visualizado pelo espectro do parágrafo único do referido tipo penal, esse sim seria o verdadeiro estelionato amoroso. Veja:
“Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.” (Código Penal).
O artigo supracitado tipifica exatamente a estratégia principal do golpe: envolvimento sexual com a vítima voltado para facilitar a consecução das vantagens econômicas espúrias.
A meu ver, esta tipologia se amolda à boa parte dos casos em que há envolvimento físico (namoro, relações sexuais) e não a de estelionato (artigo 171 do Código Penal).
Até mesmo porque a pena do artigo 215 CP é maior do que a do estelionato puro e simples, o que nos parece amoldar melhor aos tipos de lesões atingidas: patrimônio, integridade psicológica e dignidade sexual da vítima.
Entretanto, se o golpe for perpetrado apenas pela internet, sem ter havido qualquer contato pessoal (e sexual) entre as partes, há que se restringir a incidência ao artigo 171 do Código Penal, modalidade de fraude eletrônica, principalmente quando o criminoso vai coletando informações da vítima para criar um história fraudulenta ainda mais envolvente.
“Art. 171. § 2º-A. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se a fraude é cometida com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.” (Código Penal).
Comum é que vítimas sejam envolvidas sentimentalmente por criminosos e convencidas a encaminharem fotografias sensuais para o fake lover, o qual se utiliza de intermediário para realizar extorsões posteriores (extorsão). Trata-se de infração em que a pena varia de 4 a 10 anos, e multa.
Vítimas procuram reparação na Justiça, tanto dos danos materiais quanto em relação aos danos morais.
Para que possa se pleitear a reparação civil, bem como a devida indenização por danos materiais e morais, é necessário comprovar os repasses de valores e bens que houver ocorrido.
Infelizmente, em alguns casos, apesar de alcançarem a condenação do estelionatário, as vítimas se vêem frustradas no sentido de não convalidarem a devolução dos valores gastos, já que a maioria “some” com o dinheiro.
Uma das coisas que ajudam a caracterizar o crime é quando o autor usa informações falsas sobre sua identidade, quando monta um perfil falso na rede social.
Cuidado: existe uma linha que pode ser tênue entre o que é considerado estelionato e o que são apenas ajudas financeiras consensuais entre um casal.
Por isso, importante provar, por todo meio de provas, como extratos bancários, fotos, conversas na internet, e-mail, que as vítimas desse tipo de abordagem sofreram não apenas um golpe financeiro, mas foram vitimas de um crime, de uma conduta realmente criminosa
Se o caso tratar apenas de ajuda financeira ou assim restar caracterizado, se houve a promessa de devolução, você pode buscar a compensação financeira através da área Cível fundado na tese de “enriquecimento sem causa”, artigo 884 CC: “quem, sem justo motivo, enriquecer gerando danos ou perdas a outra pessoa, será obrigado a restituir o que foi indevidamente obtido”.
Ainda, se a pessoa se casou, raro, mas pode ocorrer, lembre-se que que o casamento pode ser anulado, por erro essencial em relação à pessoa, caso do artigo 1.557 do Código Civil, que considera como sendo erro essencial o engano sobre sua identidade, honra e boa fama; ignorância de crime anterior ao casamento; ou ignorância quanto a defeito físico irremediável, ou doença grave e transmissível.
Concluindo: é preciso se atentar para as nuances concretas de cada caso para o alcance da justa aplicação e subsunção legal.
Nos termos da proposta que segue para aprovação do Senado Federal, conforme consta da exposição de motivos do texto aprovado, “cresce a cada dia o número de estelionatos praticados por pessoas que se aproximam de outra com a finalidade de se apropriar de seus bens, aproveitando-se de uma possível vulnerabilidade emocional e amorosa”.
Segundo o relator do projeto, o avanço da internet e das redes sociais potencializou os casos de estelionato. “O criminoso utiliza-se da facilidade do meio virtual para enganar suas vítimas, o que enseja um agravamento da reprimenda a ser imposta nesses casos”.
DICAS PARA MINIMIZAR OS DANOS CAUSADOS PELO CRIME:
- Consulte um advogado para avaliar os melhores caminhos para reverter a situação. Isso deve ser feito antes de registrar um boletim de ocorrência na polícia, para que abarque o maior número de provas e registros possíveis.
- Reúna provas sobre as conversas, pedidos de empréstimos, abordagens. Podem ser prints de conversas no WhatsApp, áudios e extratos bancários.
- A decisão sobre bloquear ou não o contato deve ser tomada caso a caso. Algo importante a se observar nesses casos é a vulnerabilidade da mulher a investidas ainda mais violentas (por exemplo, se ela vive com o agressor); uma orientação jurídica pode ajudar a tomar essa decisão.
- É preciso atenção redobrada se houver compartilhamento de dados pessoais com o golpista. O fato de registrar a ocorrência na polícia ajuda a vítima a se precaver de uma responsabilização sobre fraudes futuras cometidas em seu nome.
- A vítima deve avaliar também a necessidade de buscar algum tipo de apoio emocional ou orientação psicológica para lidar com o trauma.
Esperamos ter contribuído!
Att.
Dra Fabíola Machareth
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