Criadores do Possível XX – O vilão, o herói e a vítima, por Gianmarco Bisaglia

Como estes papéis se estabelecem nas nossas vidas e como podemos reduzir relações tóxicas, conflitos e co-dependências!

 

Compreender quem somos, porque somos como somos, e o que desejamos ser, procurando a trilha que inicia a nossa jornada de autoconhecimento. Simples assim! Num planeta cada vez mais disruptivo e anárquico, onde as relações humanas se dão cada vez mais no universo dos clicks e cancelamentos ou aprovações midiáticas, mais que nunca precisamos compreender nosso papel e posturas no mundo, garantindo nossa sanidade mental.

Os arquétipos do carrasco, do salvador e da vítima estão quase sempre presentes em relações de co-dependência e conflitos, seja no ambiente familiar, trabalho ou coletivos que participamos, estabelecendo comportamentos cristalizados, que não geram crescimento nem autonomia. São comportamentos aprendidos na primeira infância, que reproduzimos e ajustamos conforme a circunstância, que se tornam na maioria das vezes crenças limitadoras de nossa busca de autonomia e amadurecimento.

O herói salvador!

O herói aparece quando precisamos fortalecer nosso ego e buscar reconhecimento assumindo ajudar os outros, mesmo quando não solicitados! Isso fomenta a dependência e reforça necessidades na vida do outro. Quem se coloca neste papel, muitas vezes foge de ajudar a si próprio assumindo e resolvendo seus problemas… Salvadores são dependentes emocionais, se sacrificam e sentem culpa, se aproximam e se preocupam em demasia com os desejos e necessidades das outras pessoas, mascaram conflitos reais e sofrem com o peso de sua dedicação. Para sair do papel é necessário que o salvador compreenda e oriente os outros a resolverem seus próprios problemas, o que representa crescimento real e autonomia das pessoas.

Ou seja, o super-herói na verdade não salva ninguém – é um mito que as vítimas esperam do outro, e uma espaço de representação e busca de reconhecimento, quase sempre inconsciente, pois a maioria não tem a mínima noção que representam um personagem num jogo dramático.

O vilão ou carrasco!

Procuram essencialmente gerar medo e impor seu domínio – utilizam para isso atitudes de crítica, julgamento, acusação e ameaças. A agressividade própria deste papel serve como mecanismo de defesa em situações de conflito. Carrascos são intransigentes, reprovadores, atacam as fragilidades dos outros, desdenham ou minimizam sentimentos alheios, e reforçam seus argumentos com dogmas e moralismos. O carrasco só existe se existir a vítima – quando ambos representam inconscientemente os papéis, o drama sobe ao palco! Os vilões podem interromper seu ciclo quando, empaticamente compreenderem que cada pessoa possui seus próprios recursos, limitações e realidades de vida diferentes dos seus, mas ainda assim válidos, e que o ideal é tratar os outros como adultos e fomentar sua autonomia.

Muitas vezes também, o papel do vilão é somente imaginado ou atribuído pela vítima – nem sempre pessoas atuam como algozes de nossa existência, mas criamos estes inimigos para justificar nossas fragilidades e incompetência de resolver nossos problemas. Como diz Raul Seixas, “é sempre mais fácil pensar que a culpa é do outro…” – quando a narrativa da vítima aparenta uma relação de conflito, às vezes se apresenta situação de falta de maturidade e diálogo, onde cabe um vilão para purgar os nossos próprios pecados…

A Vítima…

Costumo atribuir o papel da vítima à donzela em perigo dos contos de fadas, presa em masmorras no alto de uma torre guardada por um dragão. O “mal” se mostra nos arquétipos da bruxa, da mãe, do rei usurpador, trevas em geral… a vítima precisa ser socorrida, cuidada, compreendida, etc. Na vida real, as vítimas reclamam de tudo que lhes acontece, buscam piedade e compaixão dos outros, acreditam não haver forma de mudar o mundo injusto onde vivem, e precisam sempre de alguém que lhes resolva os problemas. Para sair do papel, é preciso tomada de consciência da importância de sua autonomia, interrompendo comportamentos reativos e o eterno queixume… um esforço para aprender novas habilidades relacionais, como assertividade, iniciativa e enfrentamento de conflitos.

Nenhum destes papéis tramados e inconscientemente assumidos serão úteis em nossa evolução pessoal se não compreendemos a sua natureza simbólica e real – quando nos enxergamos NO papel, precisamos reconstruir nossa confiança e estima, buscando desenvolver nossa persona num espaço de lucidez e assertividade – “somos o que fazemos mas também somos o que fazemos para mudar quem somos” (Eduardo Galeano).

Quem acha isso tudo muito complicado pode refletir sobre os padrões comportamentais apresentados – são como zonas de conforto onde conseguimos lidar de forma limitada com o mundo externo. Se estes arquétipos não são desconstruídos ainda durante nossa juventude, podemos carregar a vida toda comportamentos danosos para nós e para as pessoas que nos cercam. Tomo como exemplo a esperança e expectativas que colocamos nas lideranças políticas, religiosas, em nossos ídolos esportivos, musicais, todas referências do que julgamos sucesso ou verdade. Estes não irão salvar ninguém… mas saberão utilizar nossos medos e incertezas para exercerem poder e influência sobre nós. São as “paixões tristes” de Espinosa, encontros que nos reduzem a potência e capacidade de agir.  Movam-se!!! Ou os carrascos da existência nos devoram.

Gianmarco Bisaglia

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