Criadores do Possível XVIII – MORRER É MUITO INCONVENIENTE! por Gianmarco Bisaglia

Sendo bem sincero, leitores, acho envelhecer muito ruim, mas morrer é uma total inconveniência! Quando adquirimos a maturidade necessária para viver e criar sem angústias, quando o conhecimento vira sabedoria, quando o fazer vira prazer, é hora de partir…

Morrer de repente, então deve ser angustiante para quem vai – imagina o tormento das almas que partiram com a torta no forno, com a zona azul vencendo, com a roupa para buscar na costureira ou devendo fiado no bar (isso até que é justiça divina!). E quantos serão os amores não anunciados, os livros não lidos, as viagens que foram eternamente adiadas, enfim pequenas e grandes realizações que deixam existir.

Certo que podemos olhar a morte como alívio de sofrimento de doenças incuráveis, tenham sido ou não fruto do que fazemos com nossos corpos e mentes ao longo da nossa vida; e o que dizer das pessoas que envelheceram por tanto tempo, que não há nem memórias nem herdeiros vivos para carpir em seus velórios. Quem envelhece sem considerar a inevitável finitude, não consegue significar de forma proveitosa o tempo que eventualmente resta. Sinto compaixão pelas pessoas que permanecem cristalizadas em suas zonas de conforto, nos velhos valores e hábitos, sem ousar enxergar o mundo com outros olhos e se permitirem novas vivências, novos amigos, novas paixões e novos amantes!

A certeza que a morte chega, por mais apavorante que seja, pode ser um grande motivador para fazermos das nossas vidas algo significante, viver apaixonadamente e usufruir do que criamos e produzimos, verdadeiros legados de nossa passagem por aqui. De certa forma, quem parte de repente e sem aviso, largando tarefas e projetos no meio, bom… esses pelo menos estavam vivendo em vida!

A riqueza da experiência humana nem sempre é compreendida ou vivenciada plenamente por nós, seja por falta de tempo, grana ou prioridade. Mas como passar a existência sem emocionar-se com um poema de Cora Coralina, Pessoa ou Neruda? Ou viajar no improviso mágico de Charlie Parker, Armandinho ou Chick Corea? Aprender o que é sentimento nas vozes de Mercedes Sosa, Amália Rodrigues, Cesária Évora, Altemar Dutra, Bessie Smith, Ray Charles ou Elis Regina? Sentir no rosto o vento livre numa trip de moto, ou voltar a pé para casa depois da balada, por que perdeu o último ônibus? Ou olhar as Cataratas do Iguaçu, Grand Canyon ou Himalaia e deixar fluir toda energia e arrogância de nossa tímida existência diante da divina construção da natureza…

Vamos comer um pastel de feira ou uma boa média e pão com manteiga qualquer padaria do país, participar do ritual de preparação de um porco no rolete ou um bom churrasco com os amigos próximos, segurar no colo nossos filhos pela primeira vez, e comemorar cada aniversário, formatura, natal, como se fosso o único, ou o último! E mesmo na longeva idade sempre caberá um novo amor, esporte ou passatempo interessante, para além da obrigação de estragar bastante nossos netos, vingando pedagogicamente todo o trabalho que nossos filhos nos deram…

Importante estarmos alertas da inexorável passagem do tempo, onde a angústia e o desafio é igual para todos; cabe a cada um o preenchimento que lhe prouver, construindo SUA história, ou miseravelmente reproduzindo o lugar comum que alguém ensinou. Certa vez uma amiga me disse que gostaria de morrer com poucos bens – uma cama, uma janela, uma estante com no máximo cinco ou seis livros relevantes, por que a obra já está feita, e há pouco mais a contribuir… estoicismo? Talvez, mas inspirador. Os budistas trabalham a vida inteira se preparando para o momento da passagem, procurando olhar a beleza de cada momento da existência, respirando, respeitando a natureza, rindo, cantando e agradecendo!

Anunciada ou não, a morte não deve ser um elemento paralisante de nossa vida, como o medo de morrer se torna um calvário de sofrimento de cuidar de nossa saúde cada vez mais frágil. É melhor não preocupar muito com isso e continuar criando e produzindo ativamente até o dia do desenlace final, por que o melhor remédio sempre será viver, rir, cantar, dançar, namorar, trabalhar em coisas que façam sentido, viver nossas paixões, exercitar nossos talentos e contribuir de alguma forma para a sociedade que nos acolhe e onde vivemos. Assim teremos uma vida cheia de significado, até o momento de partir para “le grand voyage”…

De qualquer forma continua achando a morte muito inconveniente, não é?

 

Bônus – definições irritantes:

“A páprica doce é a que não é picante”…

“Chifre é uma coisa que puseram na sua cabeça…”

“Melhor idade é só para quem está de fora…”

 

 

 

 

Gianmarco Bisaglia

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