Ribeirão Preto, anos 1970. Eu cursava a faculdade de Comunicações na UNAERP, e morava numa das muitas pensões da cidade.
Ali, se hospedavam muitos estudantes da região de Ribeirão e também do Sul de Minas.
Um desses hóspedes era um piloto da Vasp que fazia a rota São Paulo-Ribeirão Preto.
O pai dele havido sido piloto da Panair, antiga empresa aérea brasileira.
Ele dizia que queria seguir a carreira do pai, vivia falando da Panair, e que um dia iria conhecer o mundo voando nas asas de uma grande companhia aérea internacional.
Além disso, a gente vivia batendo papos sobre futebol, política e música.
Ele, como eu, também gostava de música pop e até do puro sertanejo. E as nossas opiniões sempre batiam.
Menos num dia, quando cheguei com o disco “Minas”, de um tal de Milton Nascimento. E lhe contei que o Milton fazia parte do Clube da Esquina em Belo Horizonte.
Ele olhou a capa do disco, analisou, pensou, pensou e veio com uma resposta: “Ah, isso tá com cara de gente culturinha”.
“Culturinha”, para quem não sabe, era um termo pejorativo para pessoas que estudavam em faculdade. E ele era usado exclusivamente por pessoas que não estudavam em lugar nenhum…. rs…
Eu lhe disse que o Milton era o grande nome do momento na MPB. Mas ele deu de ombros.
Semanas depois, após o jantar, os hóspedes estavam em volta da vitrola da pensão e coloquei o disco Minas, do Milton Nascimento. E disse pro pessoal que o disco estava fazendo o maior sucesso.
E coloquei propositadamente na música “Saudade dos Aviões da Panair”.
Quando chegou no trecho da música que dizia “A primeira Coca- Cola foi me lembro bem agora nas asas da Panair. A maior das maravilhas foi voando sobre o mundo nas asas da Panair” algo aconteceu.
O piloto, com cara de choro, pediu para repetir a música, claro, porque lembrou do pai que havia trabalhado na Panair.
Meses depois o Milton foi dar um show em Ribeirão, a namorada do piloto era fã do Milton e ela insistiu para que ele fosse assistir ao show junto com ela. Ele foi.
No dia seguinte, perguntei pro piloto o que ele tinha achado do show.
Reticente, meio que balbuciando, disse: Wanderley, chorei do começo ao fim.
Eu lhe respondi: chupa essa manga!!!
Ele riu e todos riram junto.
E desde desse dia nunca mais o encontrei.
Anos depois, já trabalhando na DM9 na Bahia, recebo uma carta da dona da pensão dizendo que tinha recebido uma carta de Nova York endereçada a mim.
Ela me dizia também que havia conseguido o endereço da DM9 através de alguém que sabia onde eu estava trabalhando e morando naquele momento. Por isso a carta dela foi no endereço da agência.
Aquilo me surpreendeu porque 6 anos se passaram desde então.
Tanto que, quando vi o remetente da carta, não me lembrava do nome dele ou quem era ele.
Curioso, abro e leio.
Era, nada mais nada menos, o piloto de Ribeirão Preto me contando que tinha realizado o seu sonho e que estava trabalhando na empresa aérea internacional Pan Am, que estava morando em Nova York!!!! E que tinha comprado todos os discos do Milton Nascimento e que tomava umas dez Coca-colas durante os seus vôos pilotando um avião da Pan Am…. rs…
Foi assim, lá no início dos anos 1970, que comecei a virar fã de carteirinha do Milton Nascimento.
Convencendo um piloto tacanho, que me chamou de “culturinha”, mas que se rendeu ao talento de um dos maiores músicos da história da MPB.