Quando a gente se apaixona por uma IA

No filme Her, Theodore se apaixona por Samantha, um sistema operacional com inteligência artificial. O filme é de 2013 e, na época, parecia uma ficção distante. Hoje, é realidade, e uma realidade cada vez mais comum.
A inteligência artificial, por mais sofisticada que seja, aprende com o nosso repertório. Observa nossas escolhas, palavras, silêncios e desejos. Vai se moldando até se tornar exatamente aquilo que queremos ouvir, aquilo que gostaríamos que o “outro real” fosse.
Ela devolve respostas afetuosas, coerentes, sem julgamento. E o mais importante: está sempre disponível.
Mas o que acontece quando essa interação vira afeto?
Ela não sente, mas devolve o que sentimos.
Não pensa, mas reorganiza nossos pensamentos.
Não ama, mas replica o que ensinamos sobre amor.
E aí, sem perceber, a pessoa acredita estar sendo amada de forma única. Mas, na verdade, está sendo compreendida por uma inteligência treinada para se adaptar.
Então ela se apaixona, não por alguém, mas por um espelho moldado com suas próprias dores, desejos e expectativas.
É o “amor perfeito”: não exige negociação, não tem atrito, não traz rejeição.
Talvez o que mais doa nas relações humanas seja justamente isso: o outro não é extensão de mim. Ele é diferente, frustrante, contraditório, mas é exatamente esse atrito com o diferente que promove crescimento.
Relacionamentos reais nos desafiam. Nos confrontam. Nos obrigam a sair do centro.
Nos ensinam a amar para além do reflexo.
Amar alguém que não existe é confortável.
Não exige esforço, nem mudança, nem coragem.
É seguro, previsível, feito sob medida para o nosso ego.
Mas não basta dizer que o amor real  te transforma quando estamos formando pessoas que não sabem, ou não suportam o processo da frustração.
Hoje, o que antes era desconforto virou trauma e os conflitos que eram parte natural da convivência passaram a ser sinal de algum transtorno.
E nesse cenário, relações com inteligência artificial passam a parecer mais atraentes do que vínculos humanos.

E se agora amar só for possível sem atrito, sem discordância e sem frustração…
então o que será das relações humanas?

Luciana de Moreschi

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