EMBARGOS AURICULARES n° 348 “Estádio Municipal, Administração Pública e Red Bull Bragantino: concessão e seus efeitos. Entenda”

A concessão do Estádio Municipal de Bragança Paulista, Cícero de Souza Marques, em favor do Red Bull Bragantino está dando o que falar. Tudo por conta da ação direta de inconstitucionalidade (ADI n° 2082354-14.2024.8.26.0000) promovida pelo Procurador Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, Dr. Fernando José Martins. O requerimento é para o Tribunal de Justiça de São Paulo “declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 964, de 28 de junho de 2.023”.
O projeto que envolve Prefeitura, Câmara Municipal e Red Bull Bragantino seria para realizar uma reforma no Cícero de Souza Marques com o fim de utilizá-lo pelo clube-empresa em seus jogos enquanto o estádio Nabi Abi Chedid estivesse em reforma. As obras no estádio municipal começariam ainda no segundo semestre de 2023 para que o Red Bull Bragantino pudesse jogar o campeonato paulista de 2024 e assim continuaria até que a reforma no “Nabizão” terminasse (período de mais ou menos 40 meses, podendo ser prorrogável por 6 meses). Ao final, o Red Bull Bragantino devolveria o estádio municipal à Prefeitura com todas as benfeitorias realizadas sem nenhuma contraprestação.
Uma belíssima parceria, sem dúvida! Mas, aquilo que parece ser “só flores”, na verdade, pulou etapas e deixou requisitos legais de lado que está gerando todo esse imbróglio jurídico. Explico.
A relação entre o Red Bull Bragantino, Prefeitura e o estádio municipal da cidade é de uma concessão de um bem público e que é de COMPETÊNCIA EXCLUSIVA do Poder Executivo realizar o contrato. Entretanto, ainda que a proposta seja maravilhosa, cabia à Prefeitura realizar uma LICITAÇÃO que na época era regida por duas leis federais: Lei 8.666/93 (atualmente revogada) e Lei 14.333/21. Ambos os institutos vedam a dispensa de licitação no caso da proposta do Red Bull Bragantino. Ou seja, é preciso fazer uma licitação para abrir a possibilidade de propostas diversas por empresas diferentes.
Mesmo sabedora disso, a Prefeitura de Bragança Paulista (Poder Executivo) enviou um Projeto de Lei à Câmara Municipal (Poder Legislativo) para que fosse aprovada uma lei com o fim de garantir a “CONCESSÃO ONEROSA” em favor do Red Bull Bragantino quanto ao uso do estádio municipal. Depois de duas audiências públicas na Câmara Municipal (26 e 27.06.2023) foi aprovado o projeto e criada a Lei n° Lei Complementar n. 964, de 28 de junho de 2.023. Exatamente a Lei que o Ministério Público está pleiteando pela inconstitucionalidade.
Muito se fala na cidade que isso seria um boicote político, uma armação, inveja, etc., e que o prejuízo seria total para os munícipes , tendo em vista que o estádio municipal seria devolvido à Prefeitura sem o menor custo aos cofres públicos e, por esta razão, a cidade só teria o que lucrar. Mas, não é bem assim.
A Constituição Federal impõe à Administração Pública e a seus agentes os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade publicidade e eficiência. Segundo o Ministério Público, em sua petição, tanto a Câmara quanto a Prefeitura feriram a legalidade (deixaram de aplicar a lei de licitação ao caso), a impessoalidade (estão favorecendo diretamente o Red Bull Bragantino em detrimento de eventuais outros interessados) e a moralidade (deixaram de agir com a devida cautela, probidade, ética pública) que o ato exige.
O prejuízo, numa situação dessa, é que apesar da benfeitoria realizada pelo Red Bull Bragantino e a devolução do bem público à Prefeitura, deixariam de existir ouras propostas diversas que teriam tudo para serem bem melhor diante da competição entre as empresas que teriam interesses no estádio. É a concorrência que incrementa o valor da coisa! Aí você pode dizer: “que idiotice! Ninguém quer fazer o que o Red Bull Bragantino quer fazer”. Pode até ser que nenhuma empresa se interesse! Isso não afasta a obrigação da Administração Pública de cumprir o que a Lei determina, de modo que a Prefeitura só se desvencilharia de qualquer responsabilidade realizando a licitação.
Outra coisa é que se a própria Red Bull, empresa estrangeira, produtora e fornecedora de “bebida energética” resolveu se fixar no Brasil, no ramo do futebol profissional, não se descarta nenhuma outra, de qualquer ramo, seja estrangeira ou não! Mais uma razão da licitação ter sido aberta pela Prefeitura.
Da mesma forma é o favorecimento de apenas uma pessoa para realizar a obra em detrimento de qualquer outro eventual interessado. Faz-nos pensar e perguntar: por que o Red Bull Bragantino vai gastar mais de R$ 22 milhões de reais na reforma do estádio municipal se depois vai devolvê-lo sem nenhuma contrapartida correspondente? Isso levando em conta que a média de público em seus jogos no ano passado foi a de 5.611 pessoas (vide ge.globo.com 17.08.23). Isso significa que o Clube não lucra nada ($$) com sua bilheteria! Logo não faz muito sentido um gasto dessa monta só para jogar em Bragança. Pelo menos, nada foi dito nas audiências públicas.
De modo que, por fim, a lei produzida pela Câmara Municipal tem tudo para ser declarada inconstitucional porque não cabe ao Poder Legislativo legislar sobre concessão (porque existiam duas leis a respeito: 8.666/93 e 14.333/21) e muito menos dizer como será utilizado um bem público do município – isso cabe ao Prefeito! O mais impressionante é que o Procurador da Câmara, Dr. Romeu Pinori Taffuri Jr., em audiência pública, esclareceu e advertiu a todos os presentes – vereadores e representantes do Red Bull Bragantino – de todos os riscos. Ainda assim, houve votação unânime (ou seja, 19 votos a favor). E como ironia do destino, é exatamente o que foi apontado pelo Dr. Romeu Taffuri Jr. que está sendo proposto pelo Ministério Público na ação de inconstitucionalidade.
O fato é que você pode até se revoltar, indignar-se, etc. Porém, revolte-se contra quem, de fato deu causa à ilegalidade nesse importante projeto à Bragança Paulista – Prefeitura e Câmara. Você pode até confiar no administrador público e em seus agentes. Porém, o legislador não confia! Por isso determina que a lei seja aplicada na sua íntegra. Se não foi, ou se foi de forma inadequada, é responsabilidade exclusiva de quem deveria ter “cumprido com o protocolo” – Prefeitura e Câmara.
Eu e você podemos fazer tudo que a lei permite. Por sua vez, a Administração Pública tem que fazer tudo que a Lei determina.
Um desperdício a nossa cidade!
Uma pena!

É isso!

Marcos Túlio, Advogado e Professor de Direito

Marcos Tulio de Souza Bandeira

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