É possível prevenir a barbárie?

O que o ataque à creche em Blumenau revela sobre a necessidade de voltar nossos olhos para a violência estrutural no Brasil. 

 

Prevenir a barbárie é possível? Evitar que pessoas perversas cometam absurdos está em nossas mãos? Será que nosso senso moral se satisfaz em prender o culpado ou vamos enfim passar a pensar no quanto estamos vulneráveis à crueldade de quem não se importa em mensurar o mal que provoca no mundo? O ataque à creche em Blumenau – SC não nos traz as respostas a estas questões, mas infla nosso peito de tristeza, angústia, medo e impotência. O que podemos fazer além de responsabilizar o homem de 25 anos que invadiu a creche e, com uma machadinha em punho, tirou a vida de quatro crianças e feriu gravemente mais uma antes de se entregar à polícia? Nada vai trazer de volta a vida de quem foi forçado a partir, mas a justiça é indispensável para responder a esta dor incalculável no peito dos familiares das crianças.

Monstruosidade é a única palavra possível para descrever o que houve. Atacar violentamente vítimas sem qualquer possibilidade de defesa é de uma covardia desumana. Aproximadamente quarenta crianças brincavam no parquinho quanto o assassino pulou o muro e começou a deferir golpes de machadinha contra as crianças, principalmente em suas cabeças. Segundo informa o comandante da Polícia Militar, Márcio Alberto Filippi ao Estadão, o autor do crime atacou as vítimas sem ter um alvo específico, norteado pela aleatoriedade e, assim que percebeu o movimento das professoras defendendo as crianças e chamando-as para dentro das salas, ele pulou novamente o muro da creche particular Cantinho Bom Pastor, desta vez para fora, subiu em sua moto e se dirigiu à guarda do quartel. O comandante também revelou que o homem já tinha passagens pela polícia.

Pontuando o caso em uma linha do tempo recente, O episódio não é o primeiro ataque contra uma creche no estado de Santa Catarina, pois em maio de 2021 um homem de 18 anos invadiu a creche Aquarela, na cidade de Saudades, a 600km de Florianópolis, e assassinou três crianças e duas funcionárias com facadas. Ele também foi preso. No fim de março deste ano, na capital paulista, um aluno de 13 anos atacou muitas pessoas com uma faca em uma escola estadual e levou uma professora à morte, enquanto outras quatro pessoas ficaram feridas.

Está se tornando uma onda vertiginosa a crescente de ataques de ódio em ambientes educacionais e assistir isto tão de perto dói muito. Esta escola com a qual sonhamos todos os dias, que é capaz de proteger, acolher e salvaguardar as crianças da perversidade externa está ficando cada vez mais distante da realidade vivida pelos meninos e meninas que, a cada notícia, sentem-se mais como alvos de qualquer ataque que venha de fora ou – como quero aqui refletir – de dentro.
Obviamente, este tipo de perversidade é tão absurdo que nos soa estranho. Esta estranheza não é só no sentido do que não concordamos, mas daquilo que não reconhecemos em nós mesmos – nos é estranho. Mas de alguma maneira muito misteriosa, crianças da pré-escola crescem, passam por anos de socialização e parte delas se torna este tipo de indivíduo cuja índole não é apenas duvidosa, mas é deplorável. É neste ponto que vive o meu desespero. Porque escrevo buscando soluções ou, minimamente, um caminho que possamos percorrer na busca da cultura da paz e atuando preventivamente contra este tipo tão específico de casos.

Entramos nas escolas falando sobre paz, convivência com igualdade de direitos, promoção do diálogo na mediação de quaisquer conflitos, desconstrução dos preconceitos, compaixão… Eu vejo nos olhos dos alunos quando nossa mensagem acessa seu íntimo e provoca certa mudança, uma virada de chave na percepção da realidade. Mas este tipo de manchete me assombra com a presença daqueles que, independentemente do que eu disser, trazem feridas que os levam à completa animalidade.

No campo jurídico vamos pensar sobre a urgência da revisão das leis; na segurança pública olharemos para a imprescindibilidade de reforço na guarda dos territórios onde estão crianças e adolescentes; na ciência política vamos pensar na articulação de políticas de enfrentamento à violência intraescolar e social também, mas coletivamente é impossível não nos questionarmos sobre como um de nós se tornou algo tão estranho à essência humana. Fico frustrada por não poder propor uma solução prática que erradique este problema e leve embora das manchetes tanto sangue inocente.

Ao passo que tal frustração é praticamente inevitável, recomponho minha esperança ao conhecer pequenos cidadãos do mundo que prometem reescrever nossa história futura com traços de amor, paz e lucidez. Será que isto é o que há de mais humano em nós?

 

Anna Luiza Calixto

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