Desigualdade social arraigada entre homens e mulheres

Um grupo familiar vulnerável é a mulher, muito embora a C.F. proclame com ênfase a igualdade entre homens e mulheres.

 

No Código Civil anterior, de 1916, o homem possuía o comando exclusivo da família. A  mulher, ao casar, perdia sua plena capacidade e tornava-se relativamente incapaz, precisava de autorização do marido para trabalhar, havia a obrigatoriedade de adoção do nome do marido, o casamento era indissolúvel (figura do desquite) e existia a grande dicotomia entre família legítima versus concubinato (traição).

 

Historicamente a mulher sequer podia nem trabalhar. Antes do código de 2002 havia até conceito de “mulher honesta”, ideia de mulher fácil, conceito notadamente inconstitucional. No Código Penal existia ainda mulher deflorada, construção e valores sociais que perpassaram por evidentes transformações pela evolução social e construções jurídicas

 

A ideologia de família patriarcal converteu-se na ideologia do Estado, levando a invadir a liberdade individual, impondo condições que constrangem as relações de afeto e às mulheres de um modo geral.

 

O Estado elege um modelo de família e o consagra como única forma aceitável de convívio.

 

Assim, em nome da moral e dos bons costumes, a história das mulheres e do direito de família é uma história de exclusões. Em nome dessa moral, muita injustiça já se fez.

 

Os exemplos são vários: a proibição de reconhecimento de filhos “espúrios”, a negativa em reconhecer filhos havidos fora do casamento talvez seja o exemplo mais eloquente da tendência repressor do legislador em impedir a procriação “fora dos laços indissolúveis do matrimônio” O resultado não poderia ser mais cruel. A tentativa era estimular o cumprimento do dever de fidelidade e inibir a prática do adultério.

 

No entanto, o grande beneficiado era o próprio transgressor e punido o filho. Como não era reconhecido não podia pleitear direitos decorrentes como o pai assumir encargos decorrentes do poder familiar. Isso afrontava certamente valores éticos e morais que não se justificavam perante a moral e a razão. Evidente cinismo da lei e iniquidade.

 

A atual CF 1988, consagra a igualdade como objetivo fundamental do Estado em promover o bem de todos, sem preconceito de sexo, aritgo 5, inc. IV do art 2, a igualdade, artigo 226, de deveres e obrigações (art 5), enfatizando igualdade entre homem e mulher em direitos e obrigações (art 5, I), igualdade de Direitos e deveres em relação à sociedade conjugal (paragrafo 5 do artigo 226), o conceito de família ampliou, ou seja, a entidade familiar não é apenas aquela constituída pelo casamento, sendo união estável declarada pela lei como tal e ainda, comunidade formada por qualquer dos pais e seus descententes (artigo 226) – família monoparental,

 

A jurisprudencia foi mudando este conceito discriminatório em relação à mulher, bem assim, tratados internacionais como a Convenção pela eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres (CEDADW) – resolução n 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas em 18 de dezembro de 1979 e ratificada pelo Brasil em 1 de fevereiro de 1984, a Convenção de Belém do Pará – Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e erradicar a violência contra a mulher, adotada em 9 de junho de 1994 e ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995.

 

O ARTIGO 1 DA CONVENÇÃO DE 84 – conceito de igualdade entre homem e mulher: “TODA DISTINÇÃO, EXCLUSÃO OU RESTRIÇÃO BASEADA NO SEXO QUE TENHA POR OBJETO OU POR RESULTADO PREJUDICIAR OU ANULAR O RECONHECIMENTO, O GOZO OU O EXERCÍCIO PELA MULHER, INDEPENDENTE DE SEU ESTADO CIVIL, COM BASE NA IGUALDADE DO HOMEM E DA MULHER, DOS DIRITOS HUMANOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS NOS CAMPOS POLÍTICO, ECONOMICO, SOCIAL, CULTURAL E CIVIL OU EM QUALQUER OUTRO CAMPO”.

 

Assim, ocorreram mudanças legislativas de alta relevância, o envolvimento de todas as esferas de poder estatal (judiciário, políticas públicas de saúde), a inclusão do princípio da não discriminação e da responsabilidade social e ações afirmativas como a Lei Maria das Penha que é preventiva também, objetivando a não ocorrência da violência contra a Mulher.

 

Pela Cedaw os Estados partes, incluindo-se aqui o Brasil, ficaram obrigados a diminuir a violência desenfreada em face da mulher.

 

Obviamente, o sexo refere-se as diferenças biológicas entre homens e mulheres.  Já as diferença de gênero: referem-se as identidades, às funções e aos atributos construídos socialmente sobre a mulher e o homem, diferenças sociais de papeis.

 

Trata-se de um significado social e cultural que a sociedade atribui a essas diferenças biológicas. Relações hierárquicas entre homens e mulheres e à distribuição de faculdades e direitos em favor do homem, em detrimento da mulher.

 

Tal porque a discussão de gênero não discute as diferenças biológicas, mas não há determinismo e traz uma idéia de poder e hierarquia, ou seja, os papéis da mulher na história é discriminada, de submissão e hierarquia, uma construção de não igualdade entre homem e mulher.

 

Cita Simone de Bevoá que a construção de feminino, é a construção do homem ao contrário e e a violência de gênero (feminino) é a violência que denuncia estes papeis hierárquicos.

 

Fabiana Severi assevera que a perspectiva de gênero é uma ferramenta metodológica criada pelas teorias feministas e de gênero que nos permite identificar e tomar em conta da experiência feminina e masculina com o fim de ressaltar e erradicar as desigualdades de poder que há entre os sexos-gêneros e que tem acompanhado as mulheres por séculos. Sua adoção também viabiliza a construção de novos contornos jurídico-dogmáticos ao direito de igualdade

 

A classificação das pessoas pelo gênero como melhor ou pior, inferior ou superior, gera consequências em todos os âmbitos da vida social, por exemplo, no âmbito trabalhista: as mulheres recebem salários menores que os homens, mesmo desempenhando as mesmas funções e realizando idêntico  trabalho remunerado.

 

No âmbito das relações afetivas, as mulheres possuem menos liberdade sexual e são duramente penalizadas quando decidem expressar-se sobre sua sexualidade, além da objetificação, quando não são vítimas de assédio, importunação, que em alguns casos culmina em violência sexual.

 

Outra consequência das diferenças de gênero é o feminicídio, mulheres objetificadas ao ponto de serem assassinadas por companheiros ou ex-companheiros quando não desejam prosseguir no relacionamento ou querem mudar de parceiros.

 

Nas relações familiares, pesa sobre as mães uma cobrança muito maior do que sobre os pais na criação dos filhos.

 

Essa desigualdade de gênero afeta não somente as mulheres, mas o conjunto da sociedade, impedem que mulheres ofereçam e desenvolvam seu potencial em diversas áreas do conhecimento e liderança que são classificadas como masculinas.

 

Após o feminismo, estes temas passaram por amplos avanços e debates, mas ainda há uma longa jornada a ser percorrida rumo à equidade de gênero.

 

Há um déficit de mulheres em posições de liderança nas empresas e na política, isso dificulta a aprovação de medidas em direção à equidade de gênero.

 

Em 2019, conforme o Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupava a 92ª posição em um ranking que mede a igualdade entre homens e mulheres num universo de 153 países. As mulheres brasileiras estão sub-representadas na política, têm remuneração menor, sofrem mais assédio e estão mais vulneráveis ao desemprego. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o quinto país do mundo em número de feminicídios.

 

Ainna, há evidentes esteriótipos de gênero no sistema de justiça. Exemplos: crenças de que as mulheres exageram nos relatos sobre violência ou mentem; de que utilizam o direito por motivo de vingança ou para obter vantagem indevida; de que são corresponsáveis pelos crimes sexuais em razão de vestimenta ou conduta inadequada.

 

Uma pesquisa sobre tendências â violência contra as mulheres são as que afirmam que  mulheres que usam roupas curtas, que mostram o corpo merecem ser atacadas. 42,7 % concordam totalmente com esta crença e mais da metade concordam.

 

Outra pesquisa Datafolha, 2016, Forum brasileiro de segurança publica (FBSP), averiguou que 65% da população brasileira tem medo de sofrer uma agressão sexual, 78% acredita que homem que bate na esposa tem que ir pra cadeia e 69% afirma que mulher que apanha em casa deve ficar quieta para não prejudicar os filhos.

 

Assim, o homem acaba por não se ver agressor e quando comparece aos tratamentos multidisciplinares acham que não são agressores.

 

Trata-se de idéias arraigadas em por óbvio, ultrapassadas, sobre o que a sociedade pensa sobre o assunto, crenças e estereótipos que prejudicam o pleno desenvolvimento do direito à dignidade da pessoa humana, um dos pilares do Direito como um todo, já que em se tratando de mulher, a preocupação primordial e primeira é de que tratamos de um ser humano, pessoa de direitos, dos quais o mais básico deles é o direito à dignidade, respeito e honra, garantia ínsita em nossa C.F.

 

Dra Fabíola Machareth

 

 

Fabiola Machareth

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One thought on “Desigualdade social arraigada entre homens e mulheres

  1. Mário Enéias Doro 23 de fevereiro de 2023 at 15:36

    Excelente

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