O CANTO DO SILÊNCIO

Madrugada de terça-feira, 17 de agosto de 1999, um terremoto de 7,4 graus na escala Richter deixa milhares de mortos e vítimas soterradas sob os escombros. “As necessidades mais prementes são tendas e hospitais de campanha, remédios, produtos médicos, sacos de plástico, máscaras e produtos para purificação de água”, alertavam pelos meios de comunicação as autoridades turcas. – É a maior catástrofe de nossa história e uma das maiores da humanidade – disse o primeiro-ministro turco, Bulent Ecevit. Quando Camargo se deu por conta, estava ajudando nas operações de resgate, entre ruínas, de almas recém desencarnadas, ou inspirando outrem a encontrar sobreviventes… Fluídos balsâmicos e maná eram oferecidos pelos seres celestiais. Vários casos foram destacados e registrados pela imprensa, tratados como verdadeiros “milagres”. Pessoas resgatadas ainda com vida depois de soterradas por muitos dias. Foram realizadas orações coletivas nas 76 mil mesquitas do país. Ajudas celestiais também foram promovidas. A intervenção mais significativa de Camargo, segundo ele próprio, foi deparar-se com uma criança, aparentemente de três anos, que estava sob uma montanha de entulhos, na cidade de Cinarcik, 50 quilômetros ao Sul de Istambul. Havia pouco ar, pois o menino lá esperava, sem saber, há 146 horas. Irmãos celestiais em contínua vigília ajudavam na conservação da vida material do pequeno, que chamava pelos seus pais em choros inaudíveis e constantes. Sua realidade era triste e adversa, pois o pai e três irmãs tinham morrido. A mãe estava no hospital e ignorava a situação da família. Um tio do menino removia os escombros. A noite prejudicava. Foi intuído por Camargo a dirigir-se na direção certa. Os olhos do homem esbugalharam-se quando o facho de luz de sua lanterna “apontou” o sobrinho desaparecido.

Aos gritos e lágrimas, o perseverante tio pediu ajuda às equipes de socorro (turcas e israelenses) que, finalmente, retiraram das ruínas a criança. Um gesto marcante… Quando o sobrinho arqueou sua cabeça, num esforço imenso e silencioso, e, agradecido, beijou a face de seu tio. Camargo ficava com o coração apertado ouvindo os gritos e lamentos daquele povo. – Como pude guerrear com esta gente tão inocente, que ora recebe o peso dos escombros e da morte? O terremoto, por quê? – dirigiu-se ao Irmão Williams. – Deus sabe o que faz, meu bom irmão. As Leis do Universo se encarregam de tudo e de todos. Os movimentos planetários e das coletividades são corretos. O que parece absurdo, como por exemplo, as consequências desastrosas dos cataclismos, é na verdade um “favor”, um “empurrãozinho” para a evolução daquelas vítimas, “estagnadas por séculos e séculos”. Veja bem, como houve motivo para você estar aqui ajudando no socorro, há também razão de eles sucumbirem e serem socorridos. Os papéis sempre se invertem; os dois lados da moeda, dar e receber, todos são instrumentos importantes uns dos outros. Qual pai lúcido vai querer o sofrimento de seus filhos? O homem encarnado está contido num receptáculo de dor, uma verdadeira cadeia eletrificada, por vários motivos. Primeiro deles: para inibir a deserção (o suicídio). Segundo: para mostrar que se ele está nessa estrutura “prisional e reformatória”, algum motivo concreto existe para estar ali. Terceiro: pela dor. O homem, conforme o entendimento geral que impera neste planeta, aprende a vencer o orgulho e outras más tendências… Há muito mais. Lembra-se do comerciante Suleyman com ódio do ex-guarda-noturno? É um rancor oriundo dos sofrimentos impostos pela guerra, pelos conflitos passados. Tanto um como outro, vão cruzar seus caminhos até se acertarem através do amor. Saberão perdoar-se mutuamente.

O maltrapilho de hoje, querendo adquirir humildade através da vida simples, pode ter sido o déspota de ontem… Camargo interrompeu: – É, mas eles não conseguiram nada até agora. – Pois nem todos conseguem rapidamente. Há a eternidade. Deus pensou divinamente em todos os detalhes e possibilidades – disse, feliz, o Irmão Williams. Continuou: – Em cada passo a dar há uma insistente bifurcação pela frente. Assim fez Deus para que seus filhos praticassem constantemente e soubessem decidir certo no decorrer do aprendizado. A felicidade ou o sofrimento vem com as decisões tomadas. O caminho de Santiago de Compostela não fica na Europa, aquele é apenas um pequeno atalho, no verdadeiro, a dimensão é muito maior. Compostela (campo de estrelas) é o Universo que há dentro de cada um para percorrer e aprender. Através do deslumbramento das conquistas e dos desfalecimentos pelas dores e decepções, vai-se moldando o caráter divino de cada um. A rudeza, ou não, da vida está intimamente ligada ao tratamento que o filho de Deus manifesta em seu meio. Quantos reclamam do mau caminho, mas, ao mergulharem honestamente em seu íntimo, constatam que pensamentos de cobiça, de inveja, de orgulho, vaidade, desejos viciosos, vingança criminosa entre tantos outros, contribuíram decididamente para a manutenção ou proliferação de desajustes pessoais e coletivos, até à infelicidade? Pois, tudo que toma caminho contrário ao amor é desarmonia, é sofrimento. Antes de reclamar do deserto das relações e da falta de paz, deve-se espiar no íntimo e verificar o que está promovendo a própria essência. Emocionado, Camargo dirigiu-se ao companheiro celestial. – Irmão, quero ser, desculpe-me a pretensão, um auxiliar dos pastores enviados por Deus para recuperarem as ovelhas perdidas na escuridão da noite…

Recebeu um belo sorriso de satisfação, e a vibração mental, como resposta em seguida: – A locomoção do espírito é mais rápida que a luz. Dirigir o pensamento para onde se quer estar, se permitido, é o suficiente. Mas, como seu espírito continua com os reflexos da matéria, cuidado para não se “enroscar” nas árvores mais altas – brincou, amavelmente, Irmão Williams. E lá se foram até o cume de uma montanha. Lá avistaram um mosteiro. Havia em seu interior um ambiente de eterna contemplação e meditação. Vários monges levando vida austera, semi-reclusos. A biblioteca era um sem-fim de livros e escrituras, frequentada avidamente por todos. Raras eram suas saídas para o mundo exterior. Somente para suprirem alguma necessidade de víveres, remédios. Tudo muito rapidamente. Os habitantes das aldeias vizinhas viviam com os mesmos costumes e pensamentos seculares. – Camargo, você quer servir a Deus? Então não se enclausure. Nem mesmo nas bibliotecas, absorvendo todos os conhecimentos só para si, vivendo só para si. Há um povo faminto de Luz. Jesus misturou-se ao povo, sentiu as mesmas limitações da carne. Entregou-se de corpo e alma para o Semear da Nova Ordem Mundial: a libertação das consciências, os ensinamentos do Verdadeiro Amor (chave da porta para as esferas mais benditas). Não se pode alegar que os homens são ignorantes e virar-lhes as costas, dizendo ser perda de tempo, perda de energia… Leve-se o tempo que for preciso, a maneira que for necessária. Devem-se recolher as ovelhas, como você disse, perdidas na escuridão da ignorância, ainda que muitas fujam ou deem trabalho. Essas ovelhinhas são nossos queridos irmãozinhos em evolução, necessitam de amor e consideração. Encaminhamento.
Irmão Williams, emocionado:

“Mas ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel; E, indo, pregai, dizendo: é chegado o reino dos céus. Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demônios; de graça recebestes, de graça dai.” (Mateus:10:6 a 8)

De que adianta obter todas as ciências, se delas nada levar ao povo, significativamente? Qual o mérito em resguardar-se numa redoma de Luz e Conhecimento, se nada fizer pelos que estão nas trevas da falta de informação e sofrendo as desolações? Irmão Williams retomou o silêncio. Camargo entendeu o significado daquela viagem e partiram.

Nilton Bustamante

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