Não é culpa de ninguém!

Ao longo dos anos, escutei histórias que não se apagam. Histórias de pessoas que chegaram ao limite da dor emocional. Histórias de quem, em silêncio, tentou colocar um ponto final na própria vida.

E no meio dessas narrativas, aprendi a fazer sempre a mesma pergunta:
Você queria deixar de viver… ou só queria parar de sofrer?

Quase sempre a resposta vinha embargada, quase sussurrada:
“Queria parar de sofrer.”

E percebi que essa pergunta, por si só, já trazia certo alívio. Porque, talvez pela primeira vez, alguém estava enxergando a dor que nem a própria pessoa conseguia explicar. Era como abrir uma fresta de ar em um quarto fechado.

Essa pergunta não julgava. Não criticava. Não exigia justificativas. Ela apenas dava nome ao que, até então, era um nó silencioso e sufocante.

Não era sobre querer deixar de viver.
Não era ingratidão.
Não era falta de amor.
Era sobre não suportar mais sentir tanta dor.

Segundo o Ministério da Saúde, em 2022 o Brasil registrou mais de 16 mil suicídios. São números assustadores. E, infelizmente, não diminuíram. Cada número é uma vida interrompida, uma história interrompida, uma rede de pessoas impactadas.

E na imensa maioria dos casos, não há carta. Não há explicação.
Só a culpa de quem ficou.

Pais, amigos, colegas, líderes… quase todos se perguntam: onde eu errei? O que deixei de perceber? O que poderia ter feito diferente?

É preciso repetir até se tornar claro:
Não é culpa de ninguém.

O suicídio não é um ato de culpa.
É o desfecho trágico de um sofrimento íntimo, particular e invisível, vivido sem perspectiva de alternativas.

E é preciso dizer: nem sempre é possível identificar sinais.
Às vezes, a pessoa está ao nosso lado sorrindo, trabalhando, cumprindo a rotina, enquanto por dentro se despedaça em silêncio.

Isso nos mostra que o cuidado emocional precisa ser integral. Não pode ficar restrito à psicoterapia, por mais essencial que ela seja. Ele precisa estar em casa, no trabalho, nas escolas, nas relações cotidianas. Precisa estar nas conversas simples, nos ambientes em que circulamos todos os dias.

Acolhimento é responsabilidade coletiva.
Não é só tarefa do psicólogo, do médico, do pastor ou do líder. É algo que todos nós podemos e precisamos construir juntos.

Acolher significa criar espaços onde as pessoas possam existir com suas dores, sem medo de julgamento, sem vergonha de dizer “não estou bem”. Significa normalizar a vulnerabilidade, legitimar a exaustão, abrir espaço para o choro, para a confissão, para a pausa.

Significa, acima de tudo, enxergar o ser humano além da performance, além da produtividade, além da aparência de normalidade.

Porque não é culpa de ninguém.
Mas é, sim, responsabilidade de todos nós.

Responsabilidade de oferecer escuta.
De criar ambientes mais humanos.
De quebrar o silêncio que mata.

Se queremos de fato mudar essa realidade, precisamos começar a falar sobre dor emocional com a mesma naturalidade que falamos sobre dor física. Precisamos reconhecer que saúde mental não é luxo, não é fragilidade, não é frescura. É condição básica de existência.

Quando o tema se torna assunto de todos, o peso deixa de ser individual. A pessoa deixa de carregar sozinha o fardo insuportável e passa a encontrar suporte na comunidade que a cerca.

E talvez, só assim, possamos transformar a frase que ouvi tantas vezes “eu queria parar de sofrer” em outra possibilidade de resposta:
“Eu quero continuar vivendo, mas preciso de ajuda.”

Porque, no fim, não é culpa de ninguém.
Mas a responsabilidade é de todos nós.

Luciana de Moreschi

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