Quem não se lembra de Roberto Jefferson – ex-presidente do PTB – que àquela altura dos acontecimentos (2005) foi o maior delator da história do Brasil, no caso “mensalão”? E do ex-Ministro da Casa Civil, Antônio Palocci (ex-PT), que “entregou” todo mundo (2018) no caso “petrolão”? Ambos sabiam os crimes que praticaram e que não teriam qualquer alívio em suas correspondentes penas. Por isso, “entregaram” todos ao Ministério Público em troca de benefícios legais. Agora, o instituto da “delação premiada” voltou a ser notícia por conta do caso da suposta “tentativa de golpe” com o Tenente-Coronel Mauro Cid.
Mas, o que é e como ela funciona? Sua previsão se encontra na Lei nº 12.850/2013 (Organização Criminosa), na Lei nº 8.072/90 (dos Crimes Hediondos), na a Lei nº 7.492/86 (Crimes Contra o Sistema Financeiro), na Lei nº 8.137/90 (Crimes Contra a Ordem Tributária e Econômica), na Lei 11.434 (de Drogas), etc. Não obstante, o STJ, no HC n° 582678, “bateu o malhete” e determinou que a “delação premiada” deve ser aplicada em qualquer caso que envolva mais de um autor ou partícipe de crime. Trata-se de um “prêmio” (diminuição no tempo de pena; regime de pena mais brando; pena de restrição de direitos ao invés de privação de liberdade, etc) a quem praticou ou participou de um crime e que delata, aponta, entrega outro(s) autor(es) ou partícipe(s) do mesmo crime do qual está sendo investigado ou acusado. Porém, a delação deve ser baseada em prova robusta como colaboração para o deslinde da causa e condenação dos demais corréus. Não basta somente a palavra isolada e sem base do delator!
Desse modo, a “delação premiada” terá o seguinte caráter: 1) de negócio jurídico, porque fará um acordo com o Ministério Público, com o fim de colocar à disposição tudo que sabe e que tenha posse e que possa solucionar o caso e apontar outros autores e partícipes do crime que praticou; 2) de prova, exatamente porque ele deverá renunciar a toda sua tese de defesa, confessando sua autoria ou participação no crime praticado, entregando documentos, objetos informações, etc. Exatamente por essa razão que todos os atos praticados pelo delator dentro do processo têm natureza de acusação, porque ele precisa que o Ministério Público tenha êxito em condenar todos os demais envolvidos, pois, do contrário, de nada valerá sua delação e não terá qualquer benefício determinado em lei – o prêmio do qual é a única coisa que interessa ao delator.
Desse modo, a “delação” ou “colaboração” – como queira – tem que ser certa, segura, não podendo ter dúvidas sobre o que diz e aponta o delator, pois, do contrário, não valerá de prova para solucionar a causa e, consequentemente, o delator não será beneficiado com seus atos, depoimento, etc.
No caso “Mauro Cid” paira muita dúvida a respeito do que ele já disse em juízo. Foi o próprio Min. Luiz Fux que apontou: “Delação premiada é algo muito sério (…) Nove delações representam nenhuma delação” (CNN, 09 jun 2025). A delação premiada é só mais uma prova a ser confrontada com as demais para poder chegar a uma decisão, não sendo ela uma prova isolada e cabal ao mesmo tempo, até porque, no Processo Penal não existe “rainha das provas”, pois todas as provas devem ser confrontadas, obrigatoriamente!
Sendo assim, se houver dúvidas quanto ao depoimento de Mauro Cid, toda sua participação como delator/colaborador deverá ser anulada e desconsiderada dentro do processo. E, mais! Se todo o processo estiver alicerçado na delação de Cid, e esta for anulada, significará que não haverá base – caso não existam outras provas, frise-se bem – para continuar o caso.
Ou seja, o processo da suposta “tentativa de golpe” corre muito risco de ser julgado extinto com julgamento de mérito, absolvendo todos os acusados, provavelmente, por falta de provas! Mas, isso só deverá ocorrer se o conjunto probatório – com ou sem delação de Mauro Cid – não der guarida ao pedido de condenação do Ministério Público.
É isso!
Marcos Túlio, Advogado e Professor de Direito