CRIADORES DO POSSÍVEL II – A CULPA É UM MICO PRETO! (por Gianmarco Bisaglia)

Quem nunca?

 

O jogo do Mico Preto é uma das mais antigas brincadeiras que eu me lembro – um jogo de cartas onde tudo depende do acaso – não importa a habilidade do jogador em formar os pares, uma série de fatores farão com que você termine o jogo com o Mico Preto na mão! Puro acaso. E quem é que pega o Mico Preto? Você!!!

Tenho refletido que de certa forma a CULPA funciona como o jogo do mico preto – às vezes fica em nossas mãos, e perdemos a rodada (mas nunca o jogo…). Pelo menos no dia a dia podemos aprender a ver e escolher as cartas do baralho que pegamos!

Eu não falo aqui das culpas reais, atreladas ao nosso senso de responsabilidade. A culpa sinaliza que assumimos a responsabilidade por nós mesmos, nossas emoções, conflitos e decisões. Reconhecer nossos erros e transgressões, é um processo de amadurecimento e desenvolvimento, como diriam os “parças” Carl e Sigmund (Jung e Freud).

Machucar alguém, não realizar nossas tarefas, sermos deliberadamente imprudentes, são atos que de fato causamos, passíveis de reflexão sobre nossa culpa e arrependimento! É o sentimento que surge quando reprovamos nossas atitudes, nos frustramos por violar nossas crenças e valores – é quando nos colocamos como juízes de nós mesmos, com riscos de nos autopunirmos para além do saudável ou necessário.

Mas quero falar sobre a culpa que vem como uma externalidade (que quase sempre contribuem para formação de nosso conjunto de crenças e valores) – nas relações familiares, profissionais, nos dogmas morais e religiosos, na pressão social por beleza, fama e sucesso, na demanda irrefreável de sermos aceitos (ou devidamente etiquetados), a culpa consciente ou inconsciente se apresenta como um elemento de manipulação, que nos limita, reduz e enfraquece. Somos capturados por narrativas sutis ou explícitas, geralmente persuasivas, que nos causam inicialmente desconforto e geram uma “sensação de culpa”, que nos induz a comportamentos de “cumprir” com expectativas de terceiros.

 “Nunca vivi como queria – sempre vivi para atender expectativas da família, da sociedade, da igreja, atender padrões e status…” – segundo Bronie Ware, autora do excelente Antes de partir: os 5 principais arrependimentos que as pessoas têm antes de morrer, esse é o mais comum dos arrependimentos – não termos sido nós mesmos! Pegamos dogmas, moralismos, imposições sociais, assim como pegamos a carta do mico Preto!

 

A mãe no leito de morte se arrepende por não ter sido uma boa mãe – mas os filhos a adoram, a respeitam e será sempre honrada e lembrada como uma mãe incrível – mas optou por ficar com o Mico Preto, e todo seu círculo de dor, vergonha e frustração.

Filhos de pais exigentes que nunca se sentem à altura da aprovação, e passam uma vida de dúvidas em relação ao próprio potencial e autonomia…

Homossexuais que se sentem culpados por sua condição, refreando e ocultando impulsos e desejos, vivendo pela metade…

Mulheres que se sentem culpadas quando são assediadas, oprimidas pelo secular patriarcado e pelo pecado original!

A adolescente bulímica, por conta da culpa de ser “gorda”, ou que se automutila por se ver feia…

Quantas paixões não vividas, projetos paralisados, sorrisos calados, suicidas possibilidades nos terríveis círculos de dor, por que em algum momento, pegamos o Mico Preto da culpa, e muitas vezes o jogo é longo demais para percebermos que vamos “micar” com algo que não nos pertence (eu acredito sinceramente que a expressão “micar” vem do mico preto!)

Deixo a reflexão aos leitores – se sua vida fosse o jogo do Mico Preto, suas cartas são do tipo que formam “pares”, ou a sua mão é uma macacada que você não pediu para cuidar?

Na vida real, ao contrário do jogo, podemos descartar o Mico Preto, esse que nos traz frustração, dor, vergonha, raiva, auto sabotagem e auto piedade. Não nascemos para viver em culpa e expiação – vivemos para realizar nosso pleno potencial, para criar, transformar e apreciar a beleza de nossa humanidade.

 

O jogo pode ser longo, mas um dia acaba – vai continuar mesmo com o Mico?

Gianmarco Bisaglia

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