Néscio (s.m) Sujeito ignorante ou estúpido; indivíduo que é incompetente ou incoerente.
Com quantas pessoas compartilhamos informações, diálogos e transações todos os dias? Seja virtual ou presencialmente gastamos boa parte de nossa existência diária caminhando nestas pontes interativas. Cada interação possui sua razão de existir, que pode ser prosaica e fugaz como as poucas palavras trocadas com o pipoqueiro na entrada do cinema, ou mais profunda e relevante quando gerenciamos um conflito com um velho amigo.
Todas as trocas possuem um rito: primeiro comunicamos, depois estabelecemos um relacionamento, e por fim, concluímos o objeto de nossa transação – as três etapas podem ser conseguidas em segundos, ou durar uma existência, a depender do pacto desejado!
Quem possui talento e habilidades relacionais transita mais facilmente nestas pontes (quase) invisíveis – empatia, simpatia, desenvoltura, saber escutar, solidarizar-se, são atitudes facilitadoras da interação humana – abrem as portas para o relacionamento.
Mas… o que de fato sustenta uma relação de longo prazo? No campo das amizades pessoais, dos relacionamentos amorosos, das relações mercantis, dos coletivos, como conseguimos longevidade nas interações relacionamentos e a manutenção dos interesses mútuos?
Estamos adentrando em outro mundo: o mundo da ética, dos valores compartilhados, da percepção sutil da harmonia e visão sistêmica, dos significados para além do que se vê. Quando conseguimos integrar razão, sentimento e intuição, nos tornamos mais vigilantes, cuidadores atentos das coisas ao nosso redor, jardineiros zelosos que sabem cultivar as delicadas plantas de raízes fortes.
Chamo estes seres de DESPERTOS, que passaram por uma jornada de evolução reflexiva, com experiências consistentes e inspiradoras, e que se colocaram na condição de aprendizes, compreendendo o lugar do ego, do orgulho, distinguindo o raso do profundo, o cabível do inconcebível, e o grau de responsabilidade que temos com as pessoas, a natureza e a sociedade onde nascemos e vivemos.
Os DESPERTOS leem e traduzem o significado do universo. Questionam mitos, redesenham paradigmas, cultivam beleza e verdade, ensinam e aprendem todos os dias, não porque precisam, e sim por que compreendem e amam sua missão.
“Os lábios da sabedoria estão fechados, exceto aos ouvidos do entendimento!”
Claro que a jornada dos DESPERTOS não os conduz ao Olimpo, morada dos Deuses. Talvez lhes caiba o difícil fardo de lidar com os NÉSCIOS da existência. Estes possuem percepções difusas do universo – adoram mitos, se aferram a paradigmas e dogmas, cultivam a moral da culpa–castigo–recompensa, precisam de deuses salvadores e vilões para temer, propagam mentiras não por maldade, mas porque acreditam enxergar a verdade por trás da própria cegueira. Os NÉSCIOS acreditam e aceitam que relações banais são especiais, focam nas aparências mais que na essência, e precisam de validação social para encontrar (sem sucesso) a própria identidade.
Os NÉSCIOS despertam?
A insatisfação, a capacidade de indignação, aquele senso de justiça espontâneo e natural que surge em nós (sem os filtros ou aditivos ideológicos que deles se apropriam), as vivências significantes, podem gerar um estado de “dormência” – a inquietude do “vir-a-ser” que nos impulsiona para as jornadas de busca pessoal e transformação. Cortamos o cordão umbilical dos falsos profetas, faxinamos nossa existência, tiramos nossas próprias vendas e vivemos a cegueira da luz, até aprender a ver de verdade, com nossos olhos, mentes e corações.
Como fazer? Não precisamos passar 20 anos no Tibet para nos tornarmos seres DESPERTOS, mas uma inspirada e divertida romaria a Aparecida não nos credencia a ser Buda. Talvez Gilberto Gil tenha nos dado uma pista:
Se eu quiser falar com Deus, tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus, dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada que ao findar, vai dar em nada, nada, do que eu pensava encontrar!
Tente outra vez, Raul!