Criadores do Possível XIV – Artigo “NÃO TE CONTEI? – REFLEXÕES SOBRE A FOFOCA” por Gianmarco Bisaglia

Há uns 20 anos, eu coordenava um projeto de empreendedorismo numa pequena cidade da nossa região – conversando com minha colega perguntei quais seriam as mídias existentes para divulgar o projeto… ela deu risada e disse não precisava nenhuma mídia – era só conversar com a Silvana Cabeleireira, Maria do Mercado, com o Zé Expedito e mais duas três personagens, que todo mundo ia lá fazer inscrição. Dito e feito: o boca-a-boca funcionava tão bem, que a internet sentia vergonha!

Nosso tema hoje é FOFOCA, essa atividade humana tão nociva quanto prazerosa, praticada em maior ou menor grau por todos seres humanos que tenham boca e ouvidos. Ricos ou pobres, santos ou remediados, se os mistérios da própria existência ainda não foram descobertos pela maioria das pessoas, a esmagadora maioria da população mundial se dedica a cuidar da vida dos outros, o que não deixa de ser uma forma espelhada de autoconhecimento.

A maioria das fofocas é maliciosa – fofocas não foram inventadas para falar bem dos outros, é mais para entregar os podres, as coisas erradas, os esqueletos do armário –  e vamos à sinceridade: quem resiste à curiosidade quando ouve “tenho uma ótima para te contar…” ou o famoso “tu não sabe o bafão”.

Claro que tem um lado lúdico, cultural e até saboroso em curtir fofocas principalmente entre amigos e pequenas comunidades, e muita gente se dedica seriamente a cuidar da vida alheia, uma espécie de serviço público nada autorizado… em pequenas cidades a fofoca é uma instituição tão importante quanto a prefeitura ou a igreja, e de certa forma expressa a voz do povo, ainda que essa voz seja mentirosa, distorcida, repetida e reinventada, e nem sempre corresponde aos fatos, vá lá, é a mentira contada tantas vezes que vira verdade.

Fofocas nunca são 100% confiáveis, mas sempre temos a crença num “fundo de verdade” – as narrativas “colam” quanto mais são disseminadas, ou se tornam difusas com a quantidade de reinterpretações ao longo da cadeia de difusão. Fofocas incomodam e podem gerar sérios danos quando vem à tona infidelidades conjugais, segredos familiares, informações confidenciais, vazadas na internet, nas praças e salões de cabeleireiro.

É quase impossível desmentir uma fofoca – é como jogar gasolina na fogueira, reacende o tema, anima a discussão. Quando é comigo, eu particularmente eu ligo o f***-se! O que não se alimenta, morre com o tempo. Assim é com a mídia, que explora incansavelmente uma notícia, que fatalmente sumirá em alguns dias. Figuras públicas lidam com isso com muita categoria, fazendo cuidadosos desmentidos midiáticos com o grau de indignação necessário em cada caso. Gente normal sacode a poeira, dá a volta por cima, e não se fala mais nisso.

Fofocas no ambiente de trabalho e na política podem gerar tremendos danos, principalmente se não forem verdadeiras (quase nunca são). Dentro do ambiente corporativo fofocas já destruíram carreiras, quebraram sociedades, afastaram clientes, geraram prejuízos milionários; quando a fofoca alastra na política sempre toma um ar épico de desgraça iminente, muitas vezes de propagação leviana e irresponsabilidade, como Sr. Marçal e seu nefasto laudo psiquiátrico nas eleições para prefeitura de São Paulo, ou todas especulações sobre nossas confiáveis urnas eletrônicas…

Gustavo Capanema, ex-ministro e deputado nos anos 40/60 dizia que na política, ”a versão é melhor que o fato”. É realidade que no meio político soltam-se balões de ensaio o tempo todo, como estratégias de especulação sobre temas sensíveis, para saber a reação de grupos de aliados, quem defende ou ataca, qual impacto. Muitas informações no dia a dia midiático são factoides que induzem situações e impactos, que podem ser desmentidos ou administrados a qualquer tempo.

Neste espaço que prosperam as Fake News, maliciosamente inventadas e viralizadas por milhões de consumidores amantes das desgraças, que eu chamo de “arautos do apocalipse”. Acho sinceramente que esse desejo muito humano de contar fofoca é o mesmo espírito presente em quem propaga Fake News, quando ninguém verifica origem ou veracidade do que está repassando, potencializando o seu impacto negativo (o que hoje muitos países tratam como crime cibernético).

Pode ser que esse gosto pela desgraça alheia faça parte da natureza humana, talvez representem pequenas catarses inconscientes, onde dizemos que bom que não é comigo… mas ainda vejo muita gente se divertindo quando surge a oportunidade de acesso a informação “secreta” da vida alheia, seja na fila do pão, na academia, ou nas sacristias pelo mundo afora.

 

Reflexão bônus – Anatomia da Fofoca

Eu falo, Tu interpretas, Ele(ela) replica

Nós julgamos, Vós condenais, Eles (elas) regozijam

 

Gianmarco Bisaglia

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