A epidemia das Apostas Online: Um alerta à sociedade brasileira

As apostas online estão cada vez mais presentes no cotidiano brasileiro. Estão nas propagandas de TV, nas camisas de grandes times de futebol, nas redes sociais de celebridades e influenciadores. Impulsionadas pelo fácil acesso via smartphones e por um marketing agressivo, as chamadas bets transformaram o jogo de azar em um fenômeno de massa, atravessando classes sociais e faixas etárias.

A Ascensão das Apostas Online

O que para muitos parece uma simples “diversão inocente”, na verdade vem atraindo cada vez mais a atenção para problemas econômicos e a saúde pública de brasileiros de todas as idades. O crescimento das apostas online no Brasil tem sido vertiginoso. De acordo com dados da  Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), entre junho de 2023 e junho de 2024, os brasileiros movimentaram cerca de R$ 68,2 bilhões em apostas virtuais, o que provocou inadimplência para 1,3 milhão de pessoas e retirou aproximadamente R$ 1,1 bilhão do consumo do varejo nacional.

A pesquisa “Raio-X do Investidor Brasileiro”, realizada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) em parceria com o Datafolha mostra outro dado preocupante: 15% da população adulta brasileira (cerca de 23 milhões de pessoas) apostou em plataformas digitais em 2024. Desses, 47% estão endividados e 10% apresentam comportamento de risco, com indícios de vício em apostas.

Certamente, você já parou para pensar na semelhança das bets com os tradicionais jogos como bingo ou jogo do bicho, mas podemos dizer que as apostas online vão além, a dimensão é muito maior neste caso, pois se trata do mundo virtual, onde o “online” é 24h do dia, está literalmente na “palma da mão”. Ainda mais com o mundo conectado e influenciado pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Esta é a receita perfeita para atrair o grande público. Desde promessas de dinheiro até influencers e celebridades que mostram como as plataformas funcionam. Foi assim que elas ganharam um grande território e viraram de ponta-cabeça a vida de muita gente.

Os Riscos à Saúde Pública

O vício em apostas já está sendo reconhecido como um transtorno comportamental grave. Para a Psicóloga Fernanda Novais, “o maior problema do vício em aposta, é a questão financeira, porque são apostas altíssimas, a pessoa começa a jogar na esperança de ganhar dinheiro. Geralmente as pessoas que se viciam com mais facilidade, são as que mais estão precisando de dinheiro, então elas jogam pela esperança, no desespero, aí tem aquela esperança de dar certo, quando ganha, ela quer mais, o lado ambicioso, ela quer mais, e aí ela acaba apostando mais, e quando perde, a frustração é muito grande, então há um sentimento depressivo sobre a perda dos jogos.”

Além do vício, as consequências se estendem à saúde mental e emocional. O jogador compulsivo sofre de ansiedade, insônia, depressão e isolamento social. Em muitos casos, há também prejuízo financeiro, rompimento de laços afetivos e até suicídio.

Os dados são ainda mais alarmantes quando observamos um estudo publicado pela revista Psychological Bulettin, pesquisadores da Noruega e do Reuni Unido constataram que um a cada três apostadores pensa ao menos uma vez em se matar e um a cada oito realiza a tentativa.

“As pessoas perderam o controle. Quando ganha, o cérebro tem essa recompensa de dopamina e tudo mais, mas quando perde, essa pessoa que está desesperançosa, acaba endividada. Ela acredita que a solução é acabar com a vida dela. Os riscos para a saúde psíquica e emocional é altíssimo”, alerta a psicóloga.

Influência pública

O fácil acesso por meio de celulares, somado ao design dos aplicativos e ao uso de influenciadores digitais, cria um ambiente de aposta altamente viciante. A Unicef, agência das Organizações das Nações Unidas (ONU) para a infância revela um dado assustador 2% dos adolescentes entrevistados afirmam que jogaram pela primeira vez aos 11 anos ou menos, e a maioria começou a jogar aos 12 anos ou mais (78%).

A ausência de regulação rígida permite que empresas de apostas façam publicidade em programas de grande audiência, clubes de futebol e redes sociais, normalizando e “glamourizado” a prática. Quando se trata de bet tudo é pensado estrategicamente para viciar, elas operam com algoritmos, inteligência artificial, modelos de recompensa instantânea, elementos, cores e modelos de jogos que intensifica o vício.

“Nós negamos convite de publicidade todos os dias”

Leon Martins e Nilce Moreto são criadores de conteúdo no YouTube com milhões de pessoas inscritas em seus canais “coisa de nerd”, “cadê a chave” e “república coisa de nerd”. Recentemente falaram sobre o assédio das bets e a recusa de oferta milionária para fazer publicidade. “Todos os dias chegam até nós esses convites de apostas esportivas e jogos de azar. Foram muitas ofertas de publicidade no início, quando as bets estavam chegando no Brasil. Eles tinham dinheiro de investimento para conquistar fatia de mercado e buscavam nomes que dessem credibilidade. O dinheiro que eles estavam oferecendo era de ‘aposentar’”.

Eles explicam porque negaram de fazer as publicidades: “A proposta deles é muito clara: eu levo a audiência pra lá, para perder dinheiro e eles vão me pagar com uma parte desse dinheiro que a audiência perdeu. (…) Não é uma publicidade normal, como a de produtos e serviços. É entrar numa corrente viciante de apostas.”

Mecanismos psicológicos e viciantes

Historicamente, o Brasil conviveu com o jogo do bicho, uma prática culturalmente enraizada, porém limitada pelo espaço físico e pelo valor modesto das apostas. As bets operam com base em mecanismos psicológicos sofisticados: recompensas imediatas, bônus de boas-vindas, sistemas de pontuação, cores vibrantes e notificações constantes. Tudo é pensado para estimular a permanência no jogo e aumentar o volume de apostas. Trata-se de uma engenharia de vício digital.

As casas de apostas online representam um novo e urgente problema de saúde pública. É necessário que a sociedade brasileira repense sua relação com o jogo, especialmente diante do avanço tecnológico e da ausência de limites regulatórios claros. Medidas como campanhas de conscientização, restrição de publicidade, limitação de acesso a menores de idade e inclusão do tema nas políticas públicas de saúde são essenciais.

Uma questão coletiva

O vício em apostas não é apenas um problema individual, mas uma questão de saúde pública. Requer políticas sérias e integradas, que envolvam educação digital, regulação da publicidade, limitação de acesso a menores de idade e campanhas de conscientização. O vício em apostas não é um acaso: é um modelo de negócio.

 

 

 

Referências

CONDSEF. Bets: a nova pandemia? Brasília, 2024. Disponível em: https://www.condsef.org.br/noticias/bets-nova-pandemia. Acesso em: 21 maio 2025.

INFOMONEY. 15% da população apostou em bets em 2024 e quase metade está endividada, diz pesquisa. 7 maio 2025. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/15-da-populacao-apostou-em-bets-em-2024-e-quase-metade-esta-endividada-diz-pesquisa/ . Acesso em: 21 maio 2025.

INFOMONEY. CNC diz que bets causaram perdas de R$ 103 bilhões ao varejo em 2024. 20 maio 2025. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/economia/cnc-diz-que-bets-causaram-perdas-de-r-103-bilhoes-ao-varejo-em-2024/ . Acesso em: 21 maio 2025.

PSYCHOLOGICAL BULLETIN. Gambling-related suicide risk: A meta-analysis of psychological distress among problem gamblers. American Psychological Association, 2024. Disponível em: https://psycnet.apa.org/fulltext/2024-35228-001.html. Acesso em: 21 maio 2025.

SMETAL. Bets: a nova pandemia? Sorocaba, 2024. Disponível em: https://smetal.org.br/imprensa/bets-a-nova-pandemia/. Acesso em: 21 maio 2025.

UNICEF. A Study of Adolescents’ Knowledge, Attitudes and Practice to Gambling. 2023. Disponível em: https://www.unicef.org/georgia/media/6916/file/A%20Study%20of%20Adolescents’%20Knowledge,%20Attitude%20and%20Practice%20to%20Gambling.pdf. Acesso em: 21 maio 2025.

YOUTUBE. Cadê a nossa Bet? – Coisa de Nerd. Publicado por Coisa de Nerd, 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Hp8VMoBWO1Q. Acesso em: 21 maio 2025.

 

Juliana Dorigo

Jornalista pós-graduada em Gestão de Conteúdo e Marketing de Mídias Digitais, com atuação em produção de conteúdo multimídia, assessoria de imprensa, marketing digital e fotografia. Desenvolve projetos voltados à comunicação institucional, cultura e imagem, com experiência em empresas públicas, privadas e do terceiro setor.

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