LETRAMENTO DIGITAL: Desafios virais: o que os pais precisam saber para proteger seus filhos

A internet é uma ferramenta poderosa de aprendizado, diversão e conexão. Mas, para crianças e adolescentes, também pode se tornar um ambiente extremamente perigoso quando o acesso não é orientado e supervisionado. O recente e trágico caso da menina Sarah, de apenas 8 anos, que morreu após supostamente inalar desodorante em um “desafio” visto nas redes sociais, escancarou o risco que os desafios virais representam para a saúde e a vida dos mais jovens.

A criança foi encontrada desacordada pelo avô, ao lado de um frasco de desodorante aerossol e do celular. Segundo informações da polícia, o telefone da menina armazenava um vídeo com instruções para realizar o chamado “desafio do desodorante”. Infelizmente, esse é apenas um entre muitos outros desafios perigosos que circulam online e que têm como alvo crianças e adolescentes vulneráveis à influência de conteúdos digitais nocivos.

Esses desafios se espalham com extrema velocidade por redes sociais e aplicativos de vídeo, muitas vezes sob a aparência de brincadeiras inofensivas. Plataformas como YouTube, TikTok, Instagram e até mesmo apps de mensagens como WhatsApp acabam funcionando como canais de propagação desses conteúdos, que podem envolver atos de automutilação, inalação de substâncias tóxicas, práticas perigosas ou violentas.

O problema é agravado pelo fato de que muitas crianças usam a internet de forma autônoma, com pouca ou nenhuma supervisão, acreditando que os desafios são apenas jogos ou testes de coragem. A curiosidade, o desejo de aceitação social e a sensação de anonimato contribuem para o engajamento.

Atualmente, o Brasil não possui uma lei específica que trate diretamente dos “desafios virais” que circulam nas redes sociais. No entanto, isso não significa que essas situações fiquem impunes. Existem diversas normas no ordenamento jurídico que podem ser aplicadas para responsabilizar quem cria, incentiva ou compartilha esse tipo de conteúdo perigoso.

O Código Penal Brasileiro, por exemplo, prevê punições para quem induz, instiga ou auxilia outras pessoas a cometerem automutilação ou até suicídio. Essas penas se tornam ainda mais severas quando as vítimas são crianças ou adolescentes, ou quando o crime é cometido por meio da internet. Em casos mais graves, como quando a prática resulta em lesões graves ou até mesmo na morte da vítima, as penas podem chegar a 20 anos de prisão.

Além disso, temos leis específicas que tratam de crimes cibernéticos. A Lei Carolina Dieckmann (Lei nº 12.737/2012) protege a privacidade e os dados das pessoas no ambiente digital, enquanto a Lei nº 14.811/2024, mais recente, trata da proteção de crianças e adolescentes contra o bullying e o cyberbullying, tanto em ambientes escolares quanto virtuais. Essa última também cria mecanismos para responsabilizar quem expõe crianças a situações de violência psicológica ou física online.

Outro ponto importante é o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), que estabelece princípios, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Ele determina que as plataformas digitais — como redes sociais, aplicativos de vídeo e fóruns — devem colaborar com as autoridades quando há conteúdos ilícitos circulando. No entanto, essa lei não obriga as plataformas a monitorar ou filtrar preventivamente os conteúdos postados por seus usuários. Isso significa que, muitas vezes, a remoção de vídeos perigosos depende de denúncias, ordens judiciais ou da boa vontade das próprias empresas.

Por fim, é importante mencionar que, diante da tragédia recente envolvendo a pequena Sarah, há uma proposta no Senado para criar uma lei específica que criminalize os desafios virtuais que coloquem em risco a vida ou a saúde de crianças e adolescentes. A iniciativa é um passo importante, mas enquanto ela não é aprovada, pais, responsáveis e educadores precisam estar atentos e utilizar os recursos já disponíveis para proteger os menores no ambiente digital.

Segundo especialistas, o combate a esse tipo de crime enfrenta obstáculos, como:

  • Dificuldade de rastrear autores dos vídeos e postagens.

     

  • Rapidez na disseminação do conteúdo perigoso.

     

  • Demora nas decisões judiciais para retirada de conteúdos nocivos.

     

  • Falta de mecanismos mais ágeis e eficazes de moderação por parte das plataformas.

     

Enquanto o sistema de justiça caminha, muitos conteúdos perigosos continuam circulando — e as vítimas são, quase sempre, os mais jovens.

Para vocês que são pai e mãe de crianças e adolescentes, ATENÇÃO: A proteção começa dentro de casa. É essencial que os responsáveis estejam atentos ao comportamento das crianças e estabeleçam um ambiente de confiança para que elas se sintam seguras ao relatar situações estranhas ou perigosas.

Aqui vão ações práticas que os pais podem adotar:

  1. Educação digital constante: converse abertamente sobre o uso da internet com seus filhos, explique o que são conteúdos perigosos e reforce que desafios não devem ser realizados sem supervisão.

     

  2. Controle e monitoramento: instale filtros, ative os controles parentais nos dispositivos e acompanhe os aplicativos que a criança utiliza.

     

  3. Estabeleça regras claras de uso: tempo de tela, sites permitidos e horários devem ser combinados e monitorados.

     

  4. Estimule o pensamento crítico: ensine os filhos a questionarem o que veem online, desconfiar de “modinhas” perigosas e sempre procurar um adulto em caso de dúvida.

     

  5. Esteja por perto: quanto menor a criança, maior deve ser a supervisão. Crianças pequenas não devem ter acesso livre à internet e redes sociais.

     

  6. Denuncie conteúdos perigosos: ao identificar vídeos ou postagens que incentivam práticas prejudiciais, denuncie nas plataformas e ensinem seus filhos a fazerem o mesmo. Se julgar necessário, procure a Delegacia de Crimes Cibernéticos.

A morte de uma criança é uma tragédia que comove e revolta, mas também precisa nos despertar para uma realidade urgente: crianças e adolescentes estão expostos a riscos reais nas redes sociais — e esses riscos não podem mais ser ignorados.

É fundamental compreender que o ambiente digital exige o mesmo cuidado que oferecemos no mundo físico. Assim como não deixamos uma criança sozinha em uma rua movimentada, não podemos deixá-la navegar sozinha pela internet, especialmente sem orientação ou supervisão.

A responsabilidade pela proteção digital dos menores é coletiva. Começa dentro de casa, com diálogo e acompanhamento por parte dos pais ou responsáveis, passa pela escola, que deve educar para o uso consciente da tecnologia, e se estende ao Estado, que precisa criar e aplicar leis eficazes, além de promover políticas públicas de prevenção. As plataformas também devem assumir seu papel, criando mecanismos mais ágeis e eficientes de identificação e remoção de conteúdos perigosos.

Não podemos esperar que novas tragédias aconteçam para agir. Proteger a infância no ambiente digital é um dever de todos nós — e quanto mais cedo essa consciência for coletiva, mais vidas poderão ser preservadas.

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Carolina Poletti

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