O DIA EM QUE O FOCA CAIPIRA APARECEU EM TODAS AS EMISSORAS DE SÃO PAULO.

O ano era 1970 e eu estava iniciando a Faculdade de Publicidade e Propaganda na UNAERP, de Ribeirão Preto. Um amigo de curso me disse que a Rádio Cultura de Ribeirão estava precisando de um estagiário como repórter esportivo durante as transmissões. E me indicou.

Eu já tinha uma certa experiência (aos 16 anos de idade) como repórter e comentarista na Rádio Ibitinga, minha cidade natal. O diretor de jornalismo da Rádio Cultura foi com minha cara e me contratou como repórter estagiário.

E lá vou eu para a minha primeira participação como repórter foca da Rádio Cultura.

Foi num Botafogo x Corinthians, no Estádio Santa Cruz, em Ribeirão.

Fui destacado para cobrir o Corinthians.

Naquele dia, o técnico do Corinthians era o Oswaldo Brandão, que havia sido demitido recentemente pela CBF como técnico da Seleção Brasileira.

Os jornalistas especulavam, mas o Brandão ainda não tinha revelado o real motivo.

Pois bem, o jogo seria às 16h, mas a Rádio Cultura já tinha aberto a jornada às duas da tarde.

E eu já estava dentro do vestiário do Corinthians. (À época os repórteres podiam fazer isso, entrar nos vestiários.)

Eu ainda não tinha feito nenhuma participação na jornada quando vejo os corintianos entrarem naquele vestiário vazio.

Avisei o locutor que abriu a jornada dizendo-lhe que o Corinthians tinha chegado… e pedi para entrar no ar.

E ele respondeu lá da cabine: “OK Wanderely, vai daí.”

Eu era o único repórter naquele momento dentro do vestiário.

Como o Brandão era quem estava mais perto de mim, cheguei bem perto dele e lhe perguntei na lata:

“Técnico Oswaldo Brandão, por que você foi deixou da Seleção Brasileira?”

Ele tomou um susto… Olhou pra mim com cara de poucos amigos… e me perguntou com aquele sotaque gaúcho:

“Ô garoto topetudo, quem é você… e de qual emissora?”

Respondi dizendo quem eu era e de qual emissora eu era.

Ao que o Brandão de uma paradinha…

Nesse momento achei que ele iria me dar uma porrada ou então me mandar para aquele lugar… em pleno ar!

Mas não.

Ele me encarou e disse no seu gauchês acentuado:

“Pois não, senhor Dóro, você foi muito macho quando veio me entrevistar. Isso me lembrou de minha terra, os pampas.”

(Nesse momento outros repórteres já adentravam o vestiário, se aproximaram e foram colocando os microfones na boca do Brandão.)

E foi nesse exato momento que Brandão começou a responder a minha pergunta, olhando diretamente para mim.

“Pois então, senhor Dóro, agora eu vou responder a você, algo que nenhum outro repórter teve a coragem de me perguntar. E vou dizer em primeira mão porque larguei a Seleção Brasileira.”

Nesse momento o vestiário já estava coalhado de repórteres de todas as emissoras de São Paulo, Ribeirão Preto e região, e também emissoras do Sul de Minas.

Todos me olharam espantados, talvez perguntando a si próprios quem era aquele fedelho metido à repórter?

E Brandão (que tinha fama de brabo e vivia dando patadas em jornalistas) começou a resposta dizendo em alto e bom:

“Quem me derrubou foi essa merda de imprensa carioca. Que nunca foi com a minha cara, sempre me perseguiu e jamais me perdoou por ter convocado o lateral esquerdo Wladimir. Quero que essa imprensinha de bosta se exploda. Quero que a CBF se exploda, quero que essa Seleção exploda junto.”

Os outros repórteres ficaram paralisados, mudos.

Na sequência da entrevista eu me animei, e fui fazendo outras perguntas pertinentes ao assunto. E perguntei também sobre o Corinthians que iria para pegar o Botafogo naquele dia.

E, mesmo com as dezenas de repórteres presentes, em todas as respostas ele sempre se dirigia a mim na hora de responder.

Ou seja, todos os microfones iam na boca do Brandão e para a minha boca. E vice-versa!

A entrevista durou quase uma hora.

Encerrei minha entrevista e saí dali, ainda a tempo de ouvir o Brandão dizendo para os outros repórteres:

“Tá vendo cambada de maricas? Sejam machos na hora de trabalhar, deixem de fazer perguntinhas idiotas como vocês sempre fazem”.

Embevecido e extasiado, saí do vestiário com uma puta dúvida na cabeça.

E perguntei a mim mesmo:

“Ô, Wanderley, afinal, o que você quer ser: publicitário ou jornalista?”

Até hoje ainda me pergunto isso!

 

Wanderley Dóro

Saber mais →

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *