Qual a relação dos bebês Reborn com os clubes de leitura?

Nenhuma ou quase.
Embora ambos os temas estejam em alta, o que vem despertando maior curiosidade, e digamos também, espanto, são as bonecas realistas que se assemelham a bebês e que estão dominando não somente o mercado, como também as redes sociais. Mas, a surpresa mesmo acontece quando constatamos que estas bonecas não caíram somente no gosto de colecionadores ou de crianças, e sim de adultos, que na expectativa de terem alguém ao lado como companhia ou para cuidar, optam por fazer de uma boneca, um novo “bichinho virtual” (Mini game virtual que foi febre nos anos 90), mas desta vez, sem a necessidade de alimentar, e, podemos acrescentar, sem a real necessidade de cuidados.
Ultrapassando o mundo do colecionismo, o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking global de interesse por essas bonecas. Mas, com os crescentes vídeos onde famosos, e podemos incluir neste hype, até mesmo um ministro religioso da Igreja Católica, compartilham a experiência em adotar uma Reborn para chamar de seu/sua, até mesmo especialistas da área da saúde mental, estão colocando em pauta a possível necessidade do uso das mesmas nas terapias, como no apoio ao luto ou ansiedade, nos cuidados com idosos (com Alzheimer, por exemplo) e na Educação emocional (Crianças aprendem sobre empatia brincando com estas bonecas).
Não é novidade que quando falamos em saúde mental, existe de fato uma série de recursos, incluindo terapias com animais por exemplo, que contribuem nos tratamentos e na evolução do bem-estar dos pacientes. O espanto neste caso em específico, claramente vem, quando no ato de “adoção” de uma boneca Reborn, já como contido no próprio verbo adotar, observamos um contexto que foge à realidade natural. Adquirimos coisas, bonecas. Adotamos vidas.
O que incialmente poderia ser simplesmente um brinquedo a ser adquirido e não adotado, ou uma ferramenta de terapia para casos específicos e com reais necessidades terapêuticas, tornou-se uma megalomania, disfarçando a necessidade de preencher espaços ou o suposto desejo de maternar.
Estas bonecam não choram, não pedem, não precisam de nada, mas recebem nome, sobrenome, enxoval, madrinha, quarto decorado, e até mesmo rituais em torno do nascimento, já podem ser encontrados por meio de vídeos na internet.
O que nos chega de imediato, para além de um “viral” intrigante ou espantoso, é o quanto as pessoas estão impactadas emocionalmente a ponto de criarem vínculos profundos com um brinquedo.
A sensação de conforto ou a inconsciente necessidade de se adequar ao que é ou está popular, são algumas das variantes, mas o histórico de experiências e o atual momento de vida de cada um, pode também revelar algo muito mais preocupante e sério, quando uma boneca passa a ser usada como fuga da realidade.
Esta fuga por sua vez, acaba se intensificando quando a sensação de aparente conforto num ser inanimado, onde não existe confronto e “obrigações” naturais de um relacionamento real, torna-se uma dependência emocional.
A forma como esse vínculo simbólico e tão fundamental, a relação maternal ou paternal vem influenciando no comportamento de mulheres e homens, requer atenção, quando estes são frutos de um imaginário distorcido sobre qual a verdadeira função dos pais na vida de uma criança, do que apenas trocar roupinhas, segurar no colo, ninar e sentir controle absoluto das coisas.
É importante entender e diferenciar um uso simbólico de um apego disfuncional, podendo este último, até mesmo encapsular problemas muito mais sérios do que pode aparentar.

Na tentativa de compreender este fenômeno, que é apenas um dos muitos recortes de nossa sociedade, também vamos de encontro com a “Sociedade do Cansaço”, que promove diante das aceleradas necessidades impostas, respostas como produtividade histérica ou esgotamento emocional e físico, promovido pela sensação de ser subjugado o tempo todo.
Com essa diminuição de produtividade e disposição, leva-se a um desgaste nas relações pessoais e profissionais, corroborando para um distanciamento social cada vez maior. E é exatamente aí que as portas para as megalomanias podem se abrir.
O que poderia ser apenas algo simples, torna-se uma fuga, como também muito pode acontecer por meio dos livros, como mencionado em um dos artigos que escrevi para esta Coluna https://portaldoro.com.br/leitores-por-amor-conhecimento-ou-pela-fuga/.
Não bastassem as redes sociais apresentando e fortalecendo estes vínculos excessivos entre pessoas e bonecas, a cidade do Rio de Janeiro, que assumiu em 23 de Abril o título de Capital Mundial do Livro de 2025, concedida pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, novamente ganha palco, mas desta vez, por meio de seus vereadores, que aprovaram nesta quarta-feira, dia 7, o projeto de lei de autoria do vereador Vitor Hugo (MDB) que inclui o “Dia da Cegonha Reborn” no calendário da cidade, a ser celebrado anualmente em 4 de Setembro.
A ideia é homenagear a “arte das cegonhas”, nome conferido às artesãs que confeccionam os bebês Reborn.
Embora, esta lei tenha sido criada para homenagear uma forma de arte, tal ato, abre precedente para a falsa ideia de “Mães de adoção”, institucionalizando praticamente o ato de brincar de boneca, “brincar de ser mãe”.
Será que em breve teremos um feriado também?

Num mesmo percurso de popularidade ou de fato, numa mudança que veio para ficar, vemos o crescimento dos clubes literários.
Na contramão das megalojas, as livrarias de rua e as redes sociais, surgem cada vez mais com uma programação seleta, que envolve curadoria especializada, agenda de debates e clubes do livro.
A paixão pelos livros, diferentemente do que muitos acreditam, está movendo variados núcleos, expandindo e agitando o comércio, a cultura e o estilo de vida de pessoas que antes nem se quer pensavam em ter a leitura como hábito diário e coletivo.
Em Buenos Aires – Argentina, por exemplo, o livro ainda é tratado como um objeto sagrado e as livrarias como templos culturais.
Muitas livrarias portenhas misturam arquitetura histórica com cafés, galerias de arte e palco para saraus.
Aqui no Brasil não tem sido diferente. Entre cafés e bolos, amigos e até mesmo famílias, se reúnem em torno de uma mesa ou entre almofadas e sofás da “vovó” para uma tarde ou uma noite de leitura e trocas literárias.
Os clubes e barzinhos que antes facilmente, brasileiros tinham como escolha para drinques, música alta e até mesmo paquera, agora são substituídos por roda de conversa em livrarias, casas de café, restaurantes, parques e brunch com menu artesanal.
Antes a madrugada era território sagrado.  Agora, nestes novos tempos, a busca por experiências com propósito mudou também os horários; quanto mais cedo melhor.
Novos hábitos reforçam novas necessidades e prioridades como preencher vazios com mais conteúdo, apostar no pertencimento e fazer do tempo uma verdadeira experiência de boas relações e construção de boas lembranças.
Por meio dos livros, podemos expandir nossos horizontes, mas também buscar algo que pode estar em falta, a saúde e a educação emocional, exercitada não somente pelos variados temas que podemos encontrar entre páginas, mas também ao estabelecer vínculos mais duradouros dentro de experiências mais completas.
A conversa olho no olho, nunca esteve mais em alta, principalmente após o intenso período de desafios e perdas que enfrentamos com a Pandemia da Covid-19.
As redes sociais também apresentaram dois nortes interessantes, uma amplificação do que é em verdade a presença para além das telas e o que podemos extrair de bom nas relações e inspirações que temos e formamos por meio dessas conexões virtuais, que podem muitas vezes, ultrapassar este universo e se solidificar na vida aqui fora.
Escapar de um mundo cada vez mais centrado em nós, mas sem perder nossa real identidade, valores e vontades, é o principal desejo de quem vê na boa socialização promovida pelos livros uma forte comunidade.
Diferentemente do conceito de fuga para dentro que podemos ter, seja por meio de bonecas Reborns, até mesmo dentro do próprio hábito literário, o ideal e mais coerente, é não precisarmos fugir nem de nós, nem dos outros, nem para dentro e nem para fora, simplesmente, viver o nosso melhor sob melhores circunstâncias. Circunstâncias estas, que não limitem nossos sentimentos, necessidades e vontades num universo fictício, e sim numa vida mais feliz e mais saúdavel.

Por Amanda da Silveira Lopes

Instagram @faroldaspalavras

 

 

 

 

 

Amanda da Silveira Lopes

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