Professora sim, tia não.

“Porque assim eu provo que louco aqui é você, não eu.” – com estas palavras, a diretora da escola infantil Pequiá, Andrea Carvalho Moreira, ameaça, pressiona e constrange um menino de cinco – sim, você leu certo – cinco anos pelo fato dele ter urinado na roupa no dia anterior. Na perspectiva torpe e doentia desta suposta educadora, louco é o menino que está na primeira infância e acabou fazendo xixi na calça, não ela, que o tortura em frente aos outros alunos aos berros.

Na realidade, eu não posso me permitir cair nesta armadilha de julgar tal atitude como resultado de alguma insanidade, quando ela é o retrato cru da perversidade desta mulher que, acompanhada do marido, Eduardo Mori Kawano, dirigem palavras duras e cruéis contra um menininho. A síndrome do pequeno poder se enraizou pelos corredores da escolinha e transformou a dirigente em uma absoluta tirana. Recomendo a leitura de “Professora sim, tia não – Cartas a quem ousa ensinar” de Paulo Freire, revelador a este respeito.

Como se não bastassem estas imagens, também há uma imagem do ano passado de um menino de apenas seis anos amarrado a um poste pelas mangas da própria camisa, além de relatos de uma sala escura usada como “cantinho do castigo” e de um menino que teria ficado de castigo nu, em uma bacia na chuva, porque havia vomitado na roupa.

Todos estes casos foram denunciados por duas ex-funcionárias que decidiram gravar os castigos e mostrar para os pais, retratando um contexto amplo de violências contra os alunos. Corajosamente, ambas as mulheres expuseram a situação antes que fosse tarde demais, diferentemente do que tantas vezes assistimos acontecer no Brasil, como nos casos do menino Bernardo e do Henry Borel, ambos mortos em circunstâncias bárbaras, depois de uma sequência extenuante de violências a nível físico, moral e psicológico, além de um abandono nada silencioso.

Cada um dos relatos (que por bem não exponho aqui à miúde) me remete às palavras da lei, que soam tão distantes e irreais diante dos vídeos que tem sido compartilhados de forma irresponsável e quase sádica – não a nível de conscientização, mas de exposição arbitrária – das crianças sendo humilhadas pela voz estridente de Andrea e Eduardo. A lei menino Bernardo tem no seu prenúncio as palavras “(…) o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante.”

O Brasil dispõe de instrumentos legais modernos e inovadores. Paralelamente, a divulgação deste mecanismo jurisdicional na mídia buscou ridicularizar o movimento dos direitos de crianças e adolescentes popularizando a alcunha “Lei da Palmada”. O que eu quero aqui dizer é que em inúmeras situações, a violência psicológica – também caracterizada como tratamento degradante – também fere. Que dirá a violência física, absolutamente subestimada no senso comum de quem enche os pulmões para bradar “eu apanhei e não morri!”

Dói ler que, diante da foto em que estava amarrado pelas mangas da camisa, o menino olhou para seu pai e murmurou “É, papai, sou eu na foto.” A ridicularização, a vergonha, o trauma, a situação vexatória, tudo isto faz com que a escola seja transformada, no repertório de socialização daquelas crianças, em um ambiente hostil, estressante e assustador. Não é possível que o país que promete prioridade absoluta entregue esta humilhação tão extrema para quem deveria ser alvo da sua proteção integral. Uma sociedade que não incorpora a proteção integral no seu tecido mais íntimo e literal não é capaz de evitar tais atrocidades humanas. Todos devemos ser parte da pátria mãe gentil.

 

Anna Luiza Calixto

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