Eterna Glória.

A morte de Glória Maria não encerra seu legado de inspiração e reinvenção. 

 

Pioneira. Não há palavra melhor como sinônimo da Glória Maria. Filha de uma dona de casa e um alfaiate, a carioca aprendeu latim, francês e inglês estudando em escolas públicas. Cursou jornalismo na PUC-Rio e trabalhou como telefonista para pagar pelos estudos.
Seu primeiro trabalho na Globo foi como estagiária, atuando na rádioescuta da emissora. Ficava ouvindo as frequências policiais para captar os furos de reportagem na cidade. Além disso, de vez em quando, também telefonava para as delegacias, cobrindo a apuração.
Estreou como repórter em 1971, quando sua voz cobriu o desabamento do Elevado Paulo de Frontin. Em 1977 Glória fez história, aparecendo ao vivo e em cores no Jornal Nacional, a primeira da história a fazer isto. De 1986 à 2007, o povo brasileiro se habituou a ver Glória, seu rosto expressivo e voz forte no Fantástico, tornando-se um ícone jornalístico em suas inesquecíveis reportagens de viagens e entrevistas com celebridades de todo o planeta.
Ela foi a primeira jornalista a conquistar tantos passos importantes. Há tanto a se dizer sobre Glória Maria, mas mesmo assim muitos veículos de comunicação insistiram em expor nas manchetes a única informação que ela afirmava não querer abordar, sua idade. Expressou muitas vezes seu incômodo com a exposição deste dado e, por mais que isto seja colocado como algo cômico ou trivial, era a escolha dela e ponto. Não deve ser desrespeitada, principalmente uma vez que ela fez questão de pontuar seu desconforto mais de uma vez.
“Ah, mas é uma contradição um ícone feminista se incomodar com a revelação de sua idade.” – até mesmo quando contextualizado como uma pretensa defesa da identidade feminina; o machismo não dá uma pausa. Desconsidera o luto, como se sua morte a desautorizasse.
Para além disto, pude acompanhar ainda posts no feed que expõem o quanto nós, pessoas brancas, damos aula sobre passar vergonha na Internet. Pessoas dizendo aos quatro ventos que Glória Maria conquistou vitórias tremendas “APESAR de ser uma mulher negra.” É preciso pautar que Glória – e tantas outras mulheres negras – conquistou tanto e escreveu história APESAR de nós, pessoas brancas. APESAR do racismo estrutural que dúvida da capacidade e potência da população preta e marginaliza profissionais negros insistentemente.

APESAR deste tipo de perspectiva torpe, Glória é eterna. Em cada reportagem histórica e entrevista extemporânea, mas sobretudo permanece viva no olhar de inúmeras meninas pretas que acreditam em suas habilidades de comunicação e apostaram em suas carreiras porque tiveram a oportunidade de conhecer o brilhantismo da Glória em frente às câmeras. Por trás delas também, questionando estigmas e estereótipos, bem como subvertendo estruturas patriarcais e se tornando mãe solo por decisão própria. Adotou em um encontro de almas com suas duas filhas, que certamente carregam no peito um orgulho sem tamanho de sua mãe. Glória também é mãe das mais belas histórias que contou e se eterniza um pouco em cada um dos tantos lugares deslumbrantes nos países que visitou. Seu nome já anunciava, sua história é de glória. Para nós que ficamos, um exemplo de quem se dizia “feita de inspirações.” Ela se foi levando um pouco de cada uma das narrativas que construiu, mas deixa em cada um de nós muita admiração e – por que não dizer? – distribui inspiração.

Anna Luiza Calixto

Saber mais →

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *