Aquela velha história de “ouvir o galo cantar e não saber nem de onde vem o canto e muito menos onde o galináceo se encontra” é comum em tudo na vida de boa parte de brasileiros desavisados. Principalmente, em tempos de redes sociais! Entretanto, o “engrossar do coro” sem a devida análise e conhecimento dos fatos e suas consequências pode levar os aderentes e simpatizantes a erro grosseiro, talvez irreparável e com efeitos devastadores. Ou seja, um verdadeiro “tiro no pé”! É o que está acontecendo com a possível “quebra do foro privilegiado”. Explico.
“Foro privilegiado” tem o nome técnico de “foro por prerrogativa de função” que é aquele determinado pela Constituição Federal com o fim de estabelecer que específicas autoridades (pessoas), detentores de específicos cargos, seja eletivo (voto) ou por carreira (via concurso), sejam demandados processualmente em tribunais e instâncias ,também, específicas por conta da função e cargo que exercem. Trata-se de proteção ao cargo e não à pessoa! Pelo menos, era para ser assim.
Nossa Constituição, por exemplo, determina que a competência para processar e julgar o Presidente da República, em caso de crimes comuns, seja do Supremo Tribunal Federal. Já no caso de crimes de responsabilidade, ele é processado e julgado no Legislativo pelo Senado Federal. Os Estados-membros poderão conceder as mesmas prerrogativas em suas Constituições Estaduais, desde que respeitado o princípio da simetria que impõe o modelo a ser seguido e aplicado sobre “foro privilegiado” às autoridades estaduais (como no caso dos deputados estaduais).
De garantia constitucional, o foro por prerrogativa de função (foro privilegiado), passou a ser uma “banalização” diante das constantes falcatruas, esquemas, etc., em que se envolvem as autoridades políticas, tudo “em nome do cargo” e do “exercício da função pública”. A sensação que temos é que impera a impunidade! Entretanto, qual seria o remédio para acabar com essa “farra”? Bem, a ideia do momento (ressurgida após alguns anos adormecida) é a de “quebra desse foro por prerrogativa de função”, fazendo com que as autoridades acusadas de crimes fossem processadas e julgadas em primeira instância, ou seja, na Comarca e sob a presidência de um Juiz, assim como eu e você. Porém, quem é adepto a essa sedutora e simpática ideia não pensou direito! Explico as duas razões que nos fazem pensar melhor a respeito do tema.
A primeira é, imagine que um Dep. Federal passasse a ser processado e julgado em 1ª Instância, sob a presidência de um juiz ao invés de ser no STF e por um Ministro (atual foro competente). Imaginou? Agora pense e responda: ele terá mais ou menos facilidade de utilizar os supostos “expedientes de bastidores” pra “livrar a cara”? Evidente que muito mais! Tanto em tempo como na maior amplitude de sua rede de relacionamentos! Se ele, SUPOSTAMENTE, “já seria” influente nas Cortes Superiores (STF e STJ), por acaso, deixaria de ser em relação ao juiz, em 1ª instância e desembargadores em 2ª? Claro que não! Exerceria sua “influência” ainda com mais ênfase, por conta da “eventual pressão” exercida de cima para baixo. Pior, ainda! Seu processo demoraria anos até chegar ao STF, passando por todas as instâncias e portas do Judiciário até chegar lá, onde naturalmente pararia sua causa, com muito maior risco do Deputado (acusado) ser beneficiado de alguma forma, inclusive pelo fenômeno da prescrição. Lembre-se que o Presidente Lula (PT) não foi considerado inocente, mas, teve reconhecida a “extinção da punibilidade” pelo fenômeno da prescrição.
A segunda é que não há cumprimento de pena por conta de condenação em 2ª instância, tendo em vista o inciso LVII, do art. 5° da CF que diz: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, ou seja, a pena só será aplicada quando não couber mais recurso algum porque se esgotaram todas as possibilidades já tentadas ou porque o acusado perdeu o prazo para recorrer. Logo, somente com o trânsito em julgado que haverá pena a ser cumprida, do contrário, o processo tramitará até seu final. Somente após isso tudo, o Deputado do nosso exemplo seria ou não condenado. Evidente que os perfis de tais potenciais réus explorarão tudo para “se safarem” e até a última chance para protelar o máximo possível. Então, cabe a pergunta: o que fazer?
Bem, o mais plausível é a mudança na forma da indicação, aprovação e nomeação dos Ministros do STF e do STJ – não é “cláusula pétrea” – de modo que o candidato à vaga não entre numa dessas Cortes “devendo favores” a seus “padrinhos políticos”. Associado a isso, seria o eleitor passar a pensar melhor em quem vai votar, porque não adiante nada ter todo um arcabouço jurídico para blindar as “maracutaias” praticadas por “patifes da República” se o eleitor insiste em votar em bandido ou em uma quadrilha inteira deles!
É isso!
Marcos Túlio, Advogado e Professor de Direito


