EMBARGOS AURICULARES n° 352 “O caso Porsche: os efeitos jurídicos de Fernando ter ou não bebido e uma ‘esperteza’ que pode sair caro a todo aquele que pensa ser malandro”

Curioso é o acidente que envolveu o Porsche que vitimou o motorista de aplicativo Orlando da Silva Viana em 31 de março, na Avenida Salim Farah Maluf, na zona leste de São Paulo. “Segundo as investigações, o carro estava em alta velocidade antes de bater no veículo de Orlando, a quase 115 km/h. Momentos antes do choque, a velocidade era de 156,4 km/h” (Poder 360; 6 mai 24).
No local, o motorista do Porsche, Fernando Sastre de Andrade Filho, misteriosamente, não realizou o teste do bafômetro e disse não ter ingerido bebida alcóolica, somente água. Agora, viralizou um vídeo nas redes sociais e na imprensa em que Fernando estaria embriagado e não teria condições de conduzir nem um velocípede, que dirá um carro esportivo (G1; 14 mai 2024). Mas …! E aí? Bebeu ou não bebeu e qual o efeito disso para o caso?
Muita gente deve estar torcendo para que a “embriaguez” de Fernando (o motorista do Porsche) seja comprovada e a pena por sua eventual condenação seja a maior possível. Mas, essa é uma péssima e das mais equivocadas ideias, como também teria sido a possível “manobra” que o fez se livrar do teste de embriaguez (bafômetro ou de sangue).
Sempre existiram, seja na doutrina ou nos tribunais, intermináveis discussões se os acidentes de trânsito causados por condutores embriagados seriam casos de reconhecimento de crime doloso ou culposo. E isso tem um ou outro efeito jurídico bastante diverso, dependendo de como seria considerado.
No caso de dolo do condutor embriagado, esse dolo seria o “eventual”, aquele em que o agente age, mas sem a intenção direta de atingir o resultado, porém, sempre assumindo o risco de ocorrer o resultado devido sua embriaguez. Crime doloso, portanto. Já no caso de ser considerado “culposa” a conduta do condutor embriagado, esta nunca teria o significado de que o agente desejaria o resultado ou assumiria o risco dele ocorrer. A culpa seria por, no máximo, imprudência.
Acontece que o legislador acabou com essa celeuma quando produziu o § 3° da Lei 9.503/97, incluído pela Lei 13.546/17 que passou a prever ser o “crime culposo” todo aquele em que há morte nas condições de embriaguez do condutor de veículo. Aí você pode indagar: “Tá! E daí? O que tem a ver uma coisa com a outra, caso o crime de Fernando seja considerado culposo e não doloso, caso seja considerada ou não sua embriaguez? Ele seria mais “frito sem gordura” por ocasião da aplicação da pena nas condições de embriaguez?” A resposta é não! Inclusive, seria mais amena não somente a pena como também o procedimento de apuração do fato no Judiciário. Explico!
É que, caso seja reconhecido o crime de Fernando como “dolo eventual” – por não estar embriagado – ele será julgado pelo “Conselho de Sentença”, ou seja, o caso correrá por aquele procedimento (art. arts. 406 a 497 do CPP) em que o final é o julgamento por aqueles 7 jurados (art. 5°, inciso XXXVIII, da CF) com pena que varia de 6 a 20 anos – homicídio doloso e simples. Por outro lado, caso a embriaguez de Fernando seja reconhecida, ele escapará do Tribunal do Júri e responderá diante um “juiz togado” por crime culposo, com pena que variará de 5 a 8 anos, somente (art. 302, §3° da Lei 9.503/97).
A escapatória de Fernando será, caso o juiz reconheça a necessidade de enviar o caso para o “Conselho de Sentença” (Tribunal do Júri), que os jurados reconheçam que a ação de Fernando não foi dolosa, porém, culposa. Por consequência, o Presidente do Tribunal – aquele juiz que conduz os trabalhos no dia do julgamento no plenário do júri – deverá aplicar uma pena nos termos do Cód. de Trânsito (Lei 9.503/97) que chegará no máximo a 8 anos.
A defesa tentará demonstrar sua embriaguez, seja aos jurados ou ao juiz togado, com as imagens do vídeo viralizado na internet e divulgado pela imprensa. Mas, graças à “esperteza” de Fernando, o “malandrinho” pode ter posto toda a tese defensiva a perder, ainda, lá no momento e no local dos fatos porque fez tudo parecer que não estava embriagado. Ou seja, poderá se “lascar” lindamente por culpa dele mesmo!
Trocando em miúdos: 1) “esperto” demais, na maioria das vezes acaba se dando muito mal pela própria esperteza; 2) não faça “orelhada” e; 3) se fizer, consulte SEMPRE um advogado ANTES que a sua “malandragem” o induza a fazer outra ainda muito pior!
É isso!

Marcos Túlio, Advogado e Professor de Direito

Marcos Tulio de Souza Bandeira

Saber mais →

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *