Criadores do Possível XXVII – “Os Caga-Regras”, por Gianmarco Bisaglia

Tem gente ainda me esperando pra contar
As novidades que eu já canso de saber
Eu sei, também tem gente me enganando, é
Mas que bobagem, já é tempo de crescer

(20 e poucos anos – Fábio Júnior)

 

Pode parecer uma expressão grosseira, mas a língua portuguesa é sábia em sua exatidão de conceitos: caga-regra é a pessoa que se crê no direito de dizer aos outros o que ou outros tem que fazer. Não se trata de um especialista, um consultor ou alguém cujos serviços ou conselhos foram solicitados… a pessoa caga-regra aparece de repente, sem aviso, e com toda intromissão que (não) lhe convém, diz o que devemos fazer, como nos portar, como devemos pensar, sentir, etc.

Um caga-regra tradicional nunca pede licença, ou faz perguntas sobre o contexto, raramente possui um conhecimento do cenário e nem do que está falando – mas exerce sua falácia temperada de prepotência, na crença que as pessoas realmente precisam ouvir suas francas opiniões. Como nossos ouvidos não são penico, vamos aqui fazer uma enquete rápida para saber se a fantasia com máscara e capa serve em algum(a) caga-regra “salvador” que você conheça:

No almoço de família, um(uma) caga-regra entra na cozinha e observa as esbaforidas pessoas no esforço de finalizar os quitutes para os 30 convidados famintos de todas as idades – panelas no fogo, forno a 300º., suor escorrendo e vem a pérola: “tem sal suficiente nesse molho”? Isso é ser caga-regra. Se bobear, nem cozinhar sabe, mas fez questão de opinar sobre o tempero!

A turma tá reunida tomando cerveja no bar predileto fim de tarde – chega um amigo sujo de graxa muito puto reclamando que o seu Fiat Uno 2011 teve um problema de suspensão que o  deixou na rua – o caga-regra diz: “carro velho precisa fazer manutenção preventiva…” estupidamente caga-regra!

Numa reunião de equipe de trabalho onde todos discutem cortes orçamentários, porque se apresenta um cenário ruim de investimentos e consumo – a equipe está toda preocupada em achar uma solução quando alguém diz candidamente: “toda crise é sinônimo de oportunidade…” falsa filosofada insensível de autêntico(a) caga-regra!

Caga-regra fala de arranjos musicais, mas nem sabe tocar campainha; discute sobre culinária francesa, mas nunca cortou uma cebola… e opina sobre injeção eletrônica, mas nem um pneu trocou na vida. A pessoa caga-regra recomenda uso de Excel para gestores financeiros, Tik Tok para cineasta, meditação para controladores de voo, e consegue dar conselhos matrimoniais apesar de ainda morar com os pais.

Os caga-regras são, de certa forma, moralistas de plantão – repetem frases feitas ou conceitos básicos (nem sempre devidamente verificados) – são supostamente conservadores e nunca se arriscam de forma alguma a colocar a mão na massa, afinal, por que macular a suposta sabedoria e o “poder” que acreditam ter sobre as pessoas com conselhos e palpites não solicitados?

No fundo, eu tenho muita compaixão com os caga-regras – se pudessem se conter e praticassem o silêncio, ou se aprendessem a fazer perguntas, questionar, experimentar, praticar a empatia, quem sabe sentiriam as dores verdadeiras de quem tem desafios e problemas reais na mão, e que serão resolvidos apesar das óbvias intervenções. Mas evoluir é processo lento, e a gente leva uma vida inteira para descobrir nossas sombras – os caga-regras precisam patologicamente desses espaços de palco, para alimentar seus egos inconscientemente inflados.

Venham, pois os caga-regras do mundo, porque vocês fazem parte de nosso folclore social…mas por favor, só um de cada vez! E se há antídoto contra isso, chama o pedagógico bordão da titia Rita Lee:

“Minha saúde não é de ferro não, mas meus nervos são de aço…

Prá fazer silêncio eu peço, prá fazer barulho eu mesma faço!!!!

O palhaço ri dali; o povo chora daqui e o show não para…

E apesar dos pesares do mundo, vou segurar essa barra!!!!

 

Gianmarco Bisaglia

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