Criadores do Possível XXVI – “Vínculos”, por Gianmarco Bisaglia

Mais do que compreender emoções e significados por trás das relações interpessoais, é importante situarmos a força dos vínculos nos relacionamentos humanos – fator que determina profundamente a forma como criamos coletivos, fortalecemos causas e forjamos a cultura de famílias e comunidades através dos tempos.

Numa época de relações frágeis, pautadas por interesses e modismos, de valores fúteis ligados à ostentação de riqueza e fama, parece caricato falar em vínculos fortes. Há muitos anos conheci o saudoso Professor Mirim em Apiaí, que me falava da força dos vínculos de família e vizinhança, presentes e determinantes para moldar a cultura de pequenas cidades – na época trabalhávamos com desenvolvimento local na região, e essa visão foi fundamental para compreender o invisível por trás da força de participação das coletividades – quando entendemos e respeitamos as relações e cumplicidades estabelecidas, abre-se o caminho para o engajamento e protagonismo que pode gerar mudanças significativas no grupo ou território.

As relações de vizinhança e família também são caracterizadas e reafirmadas por rituais –nascimento e morte (chá revelação, batismo, velório), formaturas, baile de debutante, casamento, dia dos pais, almoços de domingo… por mais que seja tentador olhar os rituais como coisas cristalizadas ou obrigação moral, há de se entender o poder de aglutinação de pessoas na celebração de início ou fim de ciclos importantes na vida das pessoas, significados relevantes que não podem ser minimizados. Também fazem parte deste universo de construção de cumplicidades os muitos rituais “menores” como os bailes de adolescência, os times onde jogamos, a turma da escola ou faculdade, os amigos do clube ou da igreja, grupos de militância em causas sociais ou políticas, ambientes de trabalho, relações temporárias ou duradouras que representam partilhas ou conquistas conjuntas. Estas relações de amizade não desaparecem com o tempo, principalmente quando forjadas na infância ou na adolescência, época que compartilhamos curiosidades e descobertas sobre o que é a vida.

Ao conhecer o trabalho de Bert Hellinger sobre as Constelações Familiares, endosso algo essencial na metodologia, que é o conceito de clã – as relações familiares são sistêmicas e transcendem nossa concepção terrena estabelecendo vínculos de dor, alegria, honra, exclusão e acolhimento que permeiam e influenciam as vidas de 4 ou 5 gerações da família. O sentido de “clã” evoca nossa percepção de pertencimento e identidade, parte relevante de sermos quem somos!

Malcolm Gladwell, escritor e jornalista inglês, comentando sobre o fenômeno da “Primavera Árabe” (2010-2013) citava a força das mídias sociais para propagar informação, mas não capazes por si só, de gerar revoluções – movimentos sociais são forjados a partir de grupos com fortes laços de relacionamento, confiança e identidade; o movimento pelos direitos civis nos EUA, iniciado nos anos 50, foi possível pela união das comunidades negras em torno da causa, e principalmente pela coragem dos militantes respaldados por vínculos fortes forjados nas igrejas, escolas e bairros segregados – Rosa Parks, Luther King e outras lideranças lograram êxito com a promulgação em 1964 da Lei dos Diretos Civis e o fim da segregação racial nos EUA, infelizmente um país ainda dividido fortemente pelo racismo estrutural.

Não podemos portanto ignorar, ao conhecer qualquer pessoa, que ela traz toda a bagagem de relações vividas no seu território, cidade, bairro, família, que forja quem ela é, seus valores, conhecimentos, laços afetivos e visão de mundo. Um milhão de seguidores em mídias sociais não representam a força de uma amizade selada num convívio saudável e duradouro – cumplicidades e vínculos nem sempre precisam ser explicados, só existem, resgatados no encontro de olhares, que se reconhecem partes de um mesmo todo!

Observamos que nas mídias sociais a força de propagação de notícias impactantes (fake ou reais), tem potencial de gerar legiões de seguidores movidos somente pela força da narrativa – são muitos servis simpatizantes, mas que não se conectam entre si! O universo digital é novo na história da humanidade, mas uma coisa é certa – vínculos verdadeiros não são gerados por identificação com narrativas – são as relações pessoais que constroem laços de confiança e cumplicidade que permitem promover mudanças em nossas vidas e nos espaços onde habitamos.

 

Gianmarco Bisaglia

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