Criadores do Possível XXV: “Nossas dores e desejos”, por Gianmarco Bisaglia

GRATIDÃO!

Aos leitores e apoiadores ofereço este 25º artigo!! O Portal Doro é uma jornada de experimentação, superação e alegria – todo meu reconhecimento ao Mário e equipe, pela grandeza e generosidade deste projeto!

Auguri i fortuna!

 

De alguns anos para cá o marketing deu início ao uma mudança de terminologia e convencionou-se chamar as “necessidades” do cliente de “dores” do cliente. A expressão entender “suas dores” se espalhou por influencers, profissionais liberais, vendedores de toda espécie de sonhos e bens de consumo, e consultórios terapêuticos. Evidente que a medicina ficou enciumada com a apropriação daquilo que é sua razão de existir… e a classe política nunca comprou o slogan, até porque jamais curaram a dor de ninguém, mas às vezes estão na origem dos sintomas.

Curar uma dor é algo bem mais desafiador que suprir uma necessidade – mas a expressão ajuda a criar atributos de “salvação” para quem oferta produtos e serviços. Na realidade, ao valorizar as dores, deixamos de lado a incômoda conversa sobre o que as pessoas de fato, desejam.

                      E Jesus prometeu coisa melhor, prá quem vive nessa terra sem amor

                      Só depois de entregar o corpo ao chão, só depois de morrer nesse sertão

                      Eu também tô do lado de Jesus, só que acho que ele se esqueceu

                      De dizer que na terra a gente tem, que arrumar um jeitinho pra viver.

                      (Procissão – Gilberto Gil)

 Trabalhar na reafirmação das dores é lembrar a todos cidadãos e cidadãs sua condição de fraqueza e dependência. Perguntar “o que você precisa?” nos coloca ao alcance de atender necessidades. Quando perguntamos “quais suas dores?” evocamos medos ocultos, e até ganhamos poder ao conhecer fragilidades que podemos explorar em nosso benefício. Se não existir uma conduta ética, a empatia e confiança necessárias para o bom relacionamento com o “cliente” podem facilmente ser substituídas por relações de co-dependência.

Necessidades dizem respeito à nossa sobrevivência e segurança: saúde, habitação, emprego, comida – aprendemos ao trabalhar com moradores de rua a arte de sobreviver – a cada dia volta o desafio de se abrigar, se alimentar e batalhar alguma muleta para suportar até o dia de amanhã. Quando atendemos somente nossas necessidades (as existentes e as inúmeras que nos impostas para “curar nossas dores”) não somos diferentes dos mendigos – eles pelo menos honestamente estão focados em sobreviver.

Diferente de nossas necessidades, os nossos desejos estão ligados ao que queremos realizar em nós – é o que nos move de verdade, é a busca do sentido de existirmos, que vai muito além das fúteis demandas de consumo ou a ilusão da fama (necessidades impostas)… Quem quiser suprir meus desejos não vai lidar com minhas dores (estas eu mesmo curo), mas com meus sonhos, que viram projetos e transformam minha vida e impactam o meio onde vivo. No desejo, somos deuses criadores e protagonistas de nossas jornadas. Buscamos as soluções dentro de nós e aprendemos a dialogar e interagir com os outros sem amarras, em frutuosas relações ganha-ganha.

Trabalhar no plano do desejo e realização significa a práxis da autonomia e liberdade – coisas apavorantes para muita gente acostumada a viver de exploração ou caridade. Aqui podemos ser felizes de verdade mesmo quando não dá certo – para quem busca realização até os fracassos dão orgulho! Este espaço do “fazer acontecer” só acessamos com generosidade, visão positiva, espiritualidade sem religião, criação sem modelos, poesia e dança, amor e paixão, ética e a filosofia básica de compreender de maneira indelével, toda beleza e fugacidade desta existência. Isso cura todas as dores!

 

Gianmarco Bisaglia

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