Vou colecionar mais um soneto, outro retrato em branco e preto a maltratar meu coração… (Chico Buarque)
Coleções são uma das mais simbólicas memórias que trago da infância… lembro de ter colecionado figurinhas de futebol do campeonato paulista 1970, outras do seriado “Perdidos no Espaço”, e lembro de um álbum que era um atlas geográfico do tamanho de uma cartolina! Também colecionei carrinhos da “Matchbox”, moedas, pedras, chaveiros e maços de cigarro (apesar de nunca ter fumado na vida…). Colecionar coisas deve ser uma forma como crianças se iniciam no universo do desejo – criamos um mundo próprio e autêntico em nossos pequenos acervos – um item é acaso, dois é simetria e três já é coleção!
Seguimos na adolescência colecionando medalhas, campeonatos, festivais, namoros, festas, e muitos amigos, como chamamos hoje em dia os rostos empilhados em nossas mídias sociais. A vida adulta traz outras coleções – diplomas, títulos, experiências sexuais, cargos, viagens e selfies tiradas em locais estupidamente perigosos; colecionamos livros e leituras, poesias, músicas, receitas. Viramos colecionadores por curiosidade ou acaso – alguns viram especialistas como o meu avô Remo era filatelista – outros simplesmente tornam-se compulsivos acumuladores, juntando gibis, frascos de perfume, ou se o dinheiro permitir, automóveis, joias e relógios! Coleções podem ser um hobby ou compulsão, e muitas se tornam um negócio, como antiguidades ou obras de arte.
Metaforicamente também colecionamos sem saber muitas histórias em nossa trajetória pessoal ou profissional, que um dia serão recontadas em momentos oportunos onde precisamos rever nossa identidade, nos curando do esquecimento, ou levar uma palavra de conforto ou inspiração a quem precise (o que fará minha amiga Bianca acreditar que escrevi este artigo para ela!) Também colecionamos pequenos gestos, bons momentos, vitórias e conquistas, que são marcas pessoais de nossa trajetória, pegadas que deixamos nas estradas do mundo, tão estampadas em nossa alma que virão nos assombrar como dejà vu numa vida futura!
Conheço homens que colecionam mulheres e mulheres que colecionam homens e alguns infelizes que colecionaram filhos sem jamais cuidar da coleção; há quem colecione mágoas e ressentimentos, escorregando na baba de ciúme e inveja que escorre da própria boca, ou quem acumule desculpas intermináveis sobre o porquê suas vidas não dão certo, ou quem viva de recordar fatos e fotos de quem não volta mais.
Muitos seguem automaticamente acumulando coisas e fatos pela vida, até colecionar dores e doenças, perdendo a noção que colecionar um dia foi um prazer! Talvez um dia a gente olhe nossas “coleções” e simplesmente as descartemos, como uma parte de nossa existência que deixou de fazer sentido para nós. Deveríamos ter na prateleira, ao final da jornada, não mais que meia dúzia de livros que nos inspiram, e o suficiente no banco para uma festa de despedida.
E assim leitoras e leitores, entrego mais um item de minha coleção: estas ideias soltas que amarro e entrego na forma de artigos semanais, das imagens que assombram minha imaginação e se tornam gravuras, as poesias e músicas que amo e que se tornam introduções perfeitas para as minhas ideias, e os microcontos que minimamente me irrito em escrever. Quando eu crio, expurgo meus problemas e exponho minhas entranhas, generosamente soprando ao vento uma parte de quem sou… ou quem sabe eu seja só um acumulador de palavras que precisam semanalmente serem expulsas da prateleira??
A vida curiosamente nos torna colecionáveis e colecionadores… forte abraço!
Microconto bônus: “Coleção Singular”
“Preservou a vida, única peça existente”


