CRIADORES DO POSSÍVEL, por Gianmarco Bisaglia III – A PESSOA AO NOSSO LADO

“I see you” – Avatar, 2009

 

Há uma grande certeza na vida: a nossa jornada não pode ser terceirizada – ninguém deve trilhar nosso caminho a não ser nós mesmos, sob o risco de abrirmos mão de viver!

Na caminhada, encontramos muitas pessoas – costumo comparar nossa jornada a um trem que embarcamos, com muitos vagões, onde entram e saem pessoas a todo tempo. Alguns viajam muito tempo conosco, outros apenas fazem aparição – com uns conversamos, outros desconhecemos – lembra a visão descrita no delicioso romance Alialém do querido Flávio Mendes, um dos passageiros do meu trem!

Quem afinal são estas pessoas em nossa trajetória? Qual o papel que representam em nosso processo de evolução? As estórias infantis nos ajudam a simbolizar – o que representa Dory para Nemo? Ou o Grilo Falante para Pinocchio? Quem era o Gato Risonho para Alice? Ameaça? Oportunidade? Quem serão as Rainhas de Copas e Dementadores de nossas vidas? Temos nosso Mago Merlin?

Faz parte do desafio da jornada entender a natureza de cada um desses relacionamentos e encontros, representando perigos, conselhos, aventura, distração, anjos ou demônios. Quem acalma nosso coração, ou pisa em nossa inocência? Há os que coletam nossa energia, e os que só apontam o caminho… quem fale muito do pouco, ou pouco do muito (!?!) E nessa fila do pão, não importa se são pessoas conhecidas e familiares, pais, mães, irmãos, amigos, professores, curas, profetas, mas sim o que representam em nossa existência.

Levamos tempo para entender quem são os nossos verdadeiros amigos (sempre poucos), os que se preocupam com a gente, nos ouvem e amam gratuitamente. Eles/elas  nem sempre dão bons conselhos, mas é com estes que dividimos nossas cumplicidades, laços perenes no coração. Talvez a gente conheça muitos e muitas colegas, com quem vivemos muitas coisas, às vezes por anos – com o tempo entendemos que muitos apenas compõe o cenário de nossas fotos, em muitas trocas constantes e superficiais… e existem os falsos amigos, com quem construímos grandes pontes, que ao longo do tempo percebemos terem uma só mão – são amizades que duram o tempo da própria necessidade.

Adentramos em relacionamentos e coletivos com a motivação de identidade – precisamos nos reconhecer como parte de alguma coisa! Mas a validação desta identidade é o reconhecimento e as trocas que efetuamos – não queremos apenas “ser”, mas sim “realizar” e obter o respeito e afeto dos nossos interlocutores. Criam-se então espaços de conquistas e decepções. A família que nos brinda com a primeira identidade, pode ser virtuosa ou nefasta; sacerdotes podem nos desviar de nossa espiritualidade, e anônimos desconhecidos às vezes limpam nosso suor e ajudam a iluminar nosso caminho.

E quando estabelecemos relações de longo prazo e forte envolvimento como casamentos e sociedades? Muitos aparecem, mas poucos são escolhidos… Sejam cônjuges ou sócios, nosso crivo é diferente – queremos e sabemos que serão desafios comuns de longo prazo, envolve risco, paixão, muito diálogo, identificação, confiança e empatia. São pessoas que efetivamente deverão andar a nosso lado – nem à frente, nem atrás, nem acima e nem abaixo – assim mesmo… lado a lado. Tão fácil quanto dois aviões de acrobacia alinharem suas asas a centímetros de distância sem perder velocidade nem altitude – puro desejo, equilíbrio e tenacidade.

Podemos errar muitas vezes em nossos julgamentos e expectativas – nossas percepções muitas vezes nos traem, nossas “primeiras impressões” vão aos poucos deixando a inocência, e aprendemos a calibrar a nossa intuição. São capítulos de nossa aprendizagem sobre a espécie humana – como diz Paulo Freire, ganhamos mais inteligência relacional na proporção que interagimos com mais e mais pessoas, aprendendo a conhecer o nosso joio e trigo e regular o quanto dar e receber…

Nesse quase “estado da arte”, compreendemos o peso e importância das personagens em nossa história –  vivas na memória ou em nosso dia a dia, honradas pelo quanto contribuíram para a construção de quem somos hoje, ou ainda inspiram o que queremos ser amanhã… são heroínas e heróis inusitados, conselheiros e mestres que deixaram marcas profundas na nossa experiência.

E é claro que temos nossos fantasmas – o Capitão Gancho a querer roubar nosso pirlimpimpim e proibir o nosso voo – ensinamentos que nos marcaram negativamente, uma inveja, uma traição, agressões, enfim, decepções que fazem brotar o pior dentro de nós, conduzindo à zona cinzenta da raiva, impotência, tristeza e ressentimento. Feridas que levam tempo para curar, mas achamos o caminho possível para colocar nossos detratores num lugar que dê paz a nosso coração.

É uma jornada solitária – eu costumo honrar todos passageiros do trem, independente da qualidade das trocas. Procuro entender e perdoar aqueles que fizeram o mal de uma forma não intencional, ou que erraram tentando acertar… e reservo minha compaixão indiferente às pessoas que deliberadamente agem de má fé, que preferem ferir a curar, que não desejam o amor em suas vidas, pois no fundo sabem que jamais serão amadas.

E é claro, agradeço todos os dias aqueles com quem pude compartilhar alegrias e conquistas, gente que nunca precisa dizer nada, pois a centelha no encontro do olhar já diz tudo!

Um brinde a estes grandes cúmplices da nossa jornada terrena!

Gianmarco Bisaglia

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