Ontem a encontrei beijando outro em meu sofá… olha que raiva que senti!
De manhã cedo, peguei o sofá e vendi!
Mas se ela prometer comigo não mais errar,
Eu faço as pazes e compro outro sofá…para ela sentar! (Samba do Sofá – Geraldo Babão e Dicró)
Meu saudoso sócio Conrado Venturini costumava me dizer quando estávamos diante de algum impasse com fornecedores, clientes ou parceiros: “Gianm, você apenas tem razão”. É das coisas mais sábias que ouvi, difícil de compreender e mais ainda de praticar, mas me acompanha sempre que preciso lidar com conflitos desnecessários.
Conflitos são normais na vida – brigas entre irmãos, casais, discussões numa pelada de futebol (que se resolvem na resenha depois), são expressões de nossa singularidade confrontada com outras singularidades. Nunca pensamos, sentimos e agimos da mesma forma que outras pessoas, e o encontro destas diferenças geram desconforto, que podem ficar latentes muito tempo ou serem imediatamente manifestados: “Mãe! O Felipe pegou meu celular!”, ou “Gostaria que você não utilizasse estas expressões ao se dirigir a mim!” ou o clássico “Vai se f****!”
Quando lidamos com relacionamentos estabelecidos – pessoais ou profissionais – a resolução é quase que instantânea e pacífica – muitas lides são fruto de má comunicação ou percepção, e esclarecidos os fatos, passamos a borracha e vida que segue. Quando os conflitos perduram, cabe aos intervenientes posturas de empatia, respeito, assertividade e diálogo – ouvir e entender o outro é a base para solução de qualquer conflito pessoal ou profissional. Claro que isso pressupõe que ambas as partes possuam capacidade de compreender e avaliar as perdas e danos na manutenção do conflito, bem como a maturidade, flexibilidade e o desejo de restabelecer a confiança na relação.
Em qualquer interação humana, estão presentes razão e emoção – se somos “cutucados” no nosso emocional e reagimos emocionalmente, por impulso, suprimimos o elemento racional, aquele segundo de lucidez necessário para fornecer a melhor resposta para determinada circunstância. Esse instante nos permite assumir o controle de nosso cérebro primitivo – condicionado instintivamente a garantir nossa sobrevivência – ou de nosso ego, esta muralha interna que nos impede de enxergar o mundo e os outros com lucidez e generosidade.
As reações impulsivas naturalmente não nos definem (a não ser que sejam perenes e recorrentes), e não ajudam na construção de relações de confiança, para além de nos obrigar a pedir desculpas muitas vezes por coisas que dissemos ou fizemos. Se a questão é pequena ou irrelevante é melhor simplesmente deixar para lá – não entrar no conflito e repetir para si o mantra “você apenas tem razão”.
Muitas vezes as situações ficam bloqueadas – quando o outro(a) deseja algo que não podemos ou queremos fazer e não demonstra vontade de “deixar prá lá” – nestes casos não nos adianta fingir de paisagem – precisamos nos posicionar de forma assertiva (assertividade é a arte de afirmar nosso ponto de vista sem confrontar a outra parte).
Quando os intervenientes não têm o ânimo para dialogar e resolver conflitos (o que poderia ser saudável para o amadurecimento de ambos) – cria-se uma co-dependência, como os casais (ou sócios) que ficam juntos se atacando mutuamente, sem que ninguém dê um passo na direção de reconhecer e mitigar as diferenças e os conflitos. São as “paixões tristes” de Espinosa, onde miseravelmente ambos se alimentam das mágoas e ressentimentos da relação.
E o que dizer dos conflitos que envolvem valores ou convicções? Como vamos nos atrever a questionar posições religiosas ou políticas, ou lidar com a convicção de quem milita em causas polêmicas como aborto, posse de armas, preservação ambiental, gênero ou raça? Se temos posições divergentes, eu sempre acho melhor evitar confronto, pontuar o respeito pela opinião alheia e repetir comigo mesmo: “você apenas tem razão”.
Aceitar que “apenas temos razão” nos faz evitar de forma bastante sensata conflitos que não vamos conseguir “ganhar” e não trarão nenhum aprendizado para nossa inteligência e capacidade relacional; por exemplo nos negócios, quem deseja arrumar uma briga com seu maior cliente? Procuramos sempre acolher e dialogar sobre as reclamações e demandas, flexibilizar situações e manter a homeostase do relacionamento. E claro, se chegar a um ponto impossível, sempre podemos utilizar o clássico “Vai se f****!”
Assim aprendemos a não fazer coisas insensatas como discutir com o guarda numa abordagem policial, ou iniciar uma DR com a namorada sofrendo de cólica menstrual, ou confrontar seu chefe por aumento num momento de crise da empresa – aprendi na vida que ninguém ganha do cassino – só gente otária joga onde sabe que vai perder.
Quando os conflitos escalam, saem de nosso controle racional – nosso ego, ou pior, nosso cérebro primitivo, dão as cartas e impulsionam nossas ações cada vez mais obcecadas e insanas. Perde-se a oportunidade de diálogo, e o conflito precisa de mediação externa.
Mas ainda vai mais longe! O conflito pode virar uma completa obsessão, onde não importa mais nenhuma solução que não seja a destruição total do sistema (querer morrer e levar o outro junto) ! No filme Atração Fatal, clássico dos anos 80, o advogado Dan (Michael Douglas) tem uma noite sexo casual com Alex (Glenn Close), que começa a demonstrar comportamento obsessivo e descontrolado perseguindo o amante e sua família – não vou dar spoiler para quem não assistiu, mas este filme apresenta claramente o que é um conflito insolúvel que deságua em tragédia!
Concluindo, às vezes é mais sensato sair do ringue do que lutar uma luta inglória! Se o ego ficar feridinho, é só dizer no ouvidinho dele: “você apenas tem razão”!
Microconto Bônus: “Henrique VIII”
-“eu te amo meu rei”
-“e eu a ti, minha rainha”
-“andarei sempre ao teu lado”
-“ao meu lado o seu trono”
-“e governaremos nosso reino…”
-“guarda, traga a espada…”