A LINGUAGEM… AH… A LINGUAGEM!

Um papo sobre linguagem. Um papo com jornalistas, publicitários, pais, filhos, irmãos, mães, maridos, namoradas, não necessariamente nessa ordem.

Começo dando um conselho: vá ver o filme “A chegada”.

Não, não é um filme sobre ETs. Até parece, mas não é.

É sobre linguagem.

A velha e boa linguagem, aquela coisinha que faz a gente se comunicar e, sobretudo, se entender.

E para entender, não basta que você ache que está se fazendo entender, porque na maioria das vezes não está.

Não vou me alongar neste papo falando necessariamente sobre pessoas.

Quero me ater unicamente ao meu ramo de atividade: comunicação.

Linguagem é algo que o mundo da publicidade e do jornalismo ainda batem cabeças para conseguirem se fazer entender.

Quer ver alguns exemplos?

Na cobertura da tragédia da Chapecoense, algumas cenas se destacaram pelo seu extraordinário poder de uso da linguagem.

Uma delas me chamou a atenção pelo inusitado: um dos canais Fox Sports fez 90 minutos de silêncio, ininterruptos, apenas com um lettering congelado na tela.

Foi uma atitude corajosa que rompeu com tudo o que se imagina em programação de canais de TV. Usou a linguagem do silêncio para emocionar milhares de telespectadores.

Outra foi a confraternização extraordinária do povo colombiano que, durante duas horas emocionou o mundo, numa solenidade que nada teve de tecnologia, mas muito do coração. Foi transmitida ao vivo pela Fox Sports e pela internet (sim, esse foi um excelente uso de rede social).

Outro caso me chamou a atenção, mas pelo descuido e pela total falta de sensibilidade.

O Sportv estava transmitindo ao vivo direto do gramado do estádio da Chape, em Chapecó.

O repórter estava entrevistando a mãe do Danilo, o goleiro que faleceu no desastre.

Era uma entrevista corriqueira, onde repórter pergunta e entrevistado responde.

Até que a mãe do goleiro, inverte a ordem dos fatores e, de supetão, faz uma pergunta pro repórter.

Ela pergunta mais ou menos assim: “Você também deve estar triste pelos seus amigos da imprensa, não é?”

Repórter acena que sim e já se emociona.

A mãe, então, manda outra pergunta: “Posso lhe dar um abraço em nome de toda a imprensa?”

Imediatamente, o repórter desaba em choro e abraça a mulher.

Vendo isso, o âncora do programa (que estava no estúdio) interrompe a cena no meio e pede pra imagem voltar pro estúdio.

A imagem volta pro estúdio, frustrando os telespectadores.

E por que o editor fez isso?

Porque a cartilha do “bom” jornalismo ainda prega algumas bobagens como proibir o repórter de chorar.

O âncora deve ter pensado na hora: “Pô se eu não voltar pro estúdio vou ser repreendido pelo meu chefe, quem sabe até despedido”.

Ao fazer isso, ele cortou ao meio a cena mais emocionante que ví nos últimos tempos.

Porque a mãe e o repórter continuaram abraçados pelo menos durante mais uns dois minutos, sendo que na maior parte ficaram chorando em silêncio um no ombro do outro.

E aí, no final da cena, aconteceu outra coisa linda: ela se separa do abraço e pacientemente enxuga as lágrimas do rosto do repórter.

No mundo do storyteling, o Sportv perdeu a chance de contar uma belíssima história – ao vivo – em apenas dois minutos.

A Rede Globo se redimiu – em parte – e exibiu a cena inteira durante a cerimônia do enterro.

Digo em parte, porque foi uma repetição. Porque a sensação de ser ao vivo supera qualquer replay. A maravilha desse acontecimento foi a subversão da ordem: o entrevistado passou a ser o entrevistador.

E é isso que muita gente ainda não aprendeu até hoje.

Jô Soares perdia inúmeras histórias porque não deixava o entrevistado falar. Preferia que seu ego falasse mais alto.

Na propaganda, que está passando por uma revolução de conceitos e tecnologias, ocorre a mesma coisa.

Geralmente, não costuma ouvir as pessoas, sentir o cheiro delas, o que elas querem e o que não querem de fato.

Por conta de uma perseguição desenfreada à tecnologia e uso das redes sociais, com algumas exceções, as agências ainda não estão sabendo contar as histórias direito.

Estão duras, assépticas. Tecnológicas, pero sem gosto. Ainda não descobriram sua… linguagem. É algo próximo de dançar com a irmã.

Na propaganda brasileira, hoje também é flagrante a falta de bons comerciais na TV.

Estamos perdendo a capacidade de criar roteiros. Porque, um dia, fomos craques absolutos nisso.

O mesmo ocorre no cinema brasileiro.

E quando digo contar histórias, não precisa ser exatamente num filme de duas horas nem num comercial de 30 segundos.

Você pode contar uma linda história apenas com um olhar, um beijo, uma foto, um abraço lindo como foi a mãe do goleiro e o repórter do Sportv.

A pressa com que estamos consumindo comunicação também nos faz tropeçar no entendimento. Postamos coisas na rede social sem o cuidado de checar a fonte de informação. Mas postamos, porque postar é preciso.

Exemplo disso: um dia vi muita gente, muita gente mesmo, postando uma linda cena de vários aviões soltando fumaças luminosas nos ares. Todos dizendo que aquela cena aconteceu quando os aviões brasileiros decolaram de Medellin com as urnas mortuárias das vítimas do desastre aéreo. Mas ninguém checou a verdade da origem da cena.

O vídeo mostra um avião que não era da FAB, um céu com um pôr-do-sol maravilhoso que não era o céu de Medellin. Simplesmente porque, no momento da decolagem dos aviões, o céu estava absolutamente cinzento, carrancudo, com cara de chuva. Brasileiros postaram como se aquela cena fosse verdade.

É sempre bom lembrar: linguagem é entendimento, é troca, é interação.

Não é necessariamente saber falar uma língua ou 10 línguas. Aliás, às vezes nem é preciso falar nada.

Ela só precisa ser clara, receptiva e perceptiva. Principalmente quando a gente precisa falar com um ET.

E ET, aqui, não é necessariamente um ser extra-terrestre.

Estou falando dos milhares de ETs que povoam o Brasil mesmo.

O verdadeiro jornalismo morreu. Não há mais repórteres investigativos. Não há preocupação com a verdade dos fatos.

Os jornalistas hoje se apegam aos seus laptops e ficam tiritando sobre o nada, em lugar nenhum.

Acabou aquele foca que fuçava para dar a notícia. Notícia, que podia estar em qualquer lugar. Menos no computador.

Estava nas ruas, nos becos, no diário de alguém, num caderninho de anotações.

Por isso, me emocionei dia desses quando a minha mãe me enviou um caderninho de anotações de quando eu tinha 12 ou 13 anos e que eu julgava perdido.

Nele, anotações sobre músicas, filmes, futebol, piadas, cotidiano de uma criança. Era naquele pequeno pedaço de caderno que eu colocava minha memórias.

Ele tinha míseros 11 cm de altura e 7 cm de largura. Cabia na palma de minha mão!

Alí, já brotava alguém que já se preocupava com fatos, verdades. E linguagem!

E tenho dito!

 

 

 

Wanderley Dóro

Saber mais →

Deixe um comentário