DNA

À primeira vista, o andar característico daquele moço bonito já me impressionou. Ao mesmo tempo em que me fazia lembrar alguma coisa muito conhecida, o seu caminhar também não me parecia um problema ortopédico corriqueiro ou sequela de algum acidente. O gingado dele me hipnotizou e, talvez por isso, ele foi chegando mais perto de mim e acabou por sentar-se ao meu lado, embora houvesse várias cadeiras vazias naquela fileira enorme da sala de espera do laboratório.
O danado do moço era simpático e o sorriso sedutor. A elegância ao pedir licença antes de se sentar, me deixou com a orelha em pé e o pé atrás, aliás com “os dois pés atrases”, como eu costumo dizer.
Do alto dos meus setenta anos e porque a gente não fica mais velha apenas para criar rugas no rosto, pensei: esse cara aí está achando que pode tirar alguma vantagem da velhusca aqui. Decidi fechar a cara e guardar minha simpatia na bolsa.
Mas o rapaz insistia em se mostrar encantador e puxar prosa. Primeiro me perguntou se eu conhecia bem aquele laboratório e se era confiável. Respondi que sim, que fazia sempre meus exames de rotina naquele lugar. Mas ele não se deu por satisfeito:
– Exames de DNA feitos aqui também são certeiros?
–Óbvio que são. 99,99% de probabilidades de acerto.
– Fico mais tranquilo, vou precisar desses resultados para me livrar de muitos processos…
– Muitos?
– Sim, dezenas de mulheres atribuem a mim a paternidade de seus filhos…
– A troco de quê uma mulher vai dizer que um filho é seu, se não for? Ainda mais, várias mulheres? Do nada não é! Alguma você aprontou. Não resisti e já o emparedei.
Ele abriu um largo sorriso:
– É uma história antiga, nem te conto! Em outros tempos era mais tranquilo. Eu saía para dar meus bordejos, via uma festinha, uma quadrilha, uma quermesse e pronto: escolhia uma moça bem bonita para namorar, depois sumia no mundo. Nesses tempos modernos a coisa está ficando feia pra mim. Ando tão assustado que nem tenho ido à baladas. Fico nos aplicativos de relacionamentos, na internet. Só saio se der “match” em noites de lua cheia.
Mesmo assim oficial de justiça até decorou o caminho da minha casa! E pior: eu já decorei o endereço do fórum…
Perdi as contas de quantos processos estou respondendo por assédio sexual. São tantos que me informei e resolvi pedir ao juiz esse exame de DNA para descobrir se são minhas mesmo essas crianças que as moças dizem ser meus filhos.
– Mas você não sabe se são seus filhos? Nunca se interessou em saber?
– Até agora nunca. Mas se começarem a pipocar pedidos de pensão, vou ter que aprender equilibrar a bola no nariz e arranjar um emprego na Disneyword – respondeu com ar zombeteiro. Não entendi nada…
Depois ficou sério.
– Não sei mesmo. Talvez sejam! Quem sabe, não?
Nesse momento o painel do laboratório chamou a minha senha e a do meu companheiro de banco, e fomos lá para a coleta de material, cada um para a sua respectiva saleta.
Já estava no estacionamento, manobrando meu carro para ir para casa, quando observei o rapaz também entrando pelo portão. Pelo retrovisor percebi que ele não se dirigiu a nenhum automóvel.
Gingando atravessou o pátio e, do nada, com um salto incrível, pulou a mureta e entrou no ribeirão que separa a clínica da avenida principal.
E eu só vi seu chapéu branco flutuando no rio…

Henriette Effenberger

( Do livro Assombro e encantamento – Encontros com seres imaginários – da Associação de Escritores de Bragança Paulista)

Henriette Effenberger

Saber mais →

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *