… é que os momentos felizes, tinham deixado raízes no seu penar, depois perdeu a esperança, porque o amor também cansa, de perdoar… Regra Três (Vinícius de Moraes)
Quase todo ser humano já viveu a incomoda experiência do final de um relacionamento – a princípio são ruídos estáticos que não prestamos atenção, uma vez que estamos focados na construção da plataforma comum… com o tempo a estática aumenta e começa a prejudicar nossos diálogos cotidianos, nos privando de um plena compreensão do outro(a) e com o tempo, minando nossas esperanças e expectativas.
O que importa numa construção relacional é o que damos e recebemos – amar alguém é estar disposto a doar um pedaço de quem somos, numa transação que demanda desejo aliado a uma decisão racional – esta circulação de intenção e gestos, precisa de um espaço de livre trânsito, onde dar e receber sejam ressignificados a cada dia. O amor não existe sem transparência, e paradoxalmente, muito precisamos aprender sobre desvelar a sua totalidade, para não nos iludirmos com a imagem projetada que fazemos do outro – a qualidade e consistência das partilhas (sem enganos ou estática) criam relacionamentos saudáveis, de comunicação fluída e leveza.
Certo que isso vai muito além de sexo, álcool e drogas compartilhadas – amor se constrói rindo e chorando juntos das mazelas rotineiras, espaço próprio e único de cumplicidade que une os casais que desejam de verdade compartilhar suas vidas. O que resta fora disso são relações de amizade ou uma prazerosa one-night stand – arranjos ideais para pessoas que não querem sentir solidão, mas também não desejam assumir compromissos.
E por que o amor acaba? De tudo um pouco… quando não se atam os desejos ou valores, ou quando se descobre no outro inconciliáveis e inegociáveis posturas… Milan Kundera brinca com o conceito que esta vida é uma eterna disputa pelos ouvidos alheios – quem muito tem a dizer perde a oportunidade de calar e ouvir o bater do coração. O amor é certamente o maior desafio de nossa jornada terrena – é etéreo, e por isso mesmo, esvanece quando não se define na razão – mas sempre nos embeleza com o perfume e o afeto que marcam nossas almas para sempre! Celebrar o amor é acolher o diálogo, a sintonia, a empatia, é olhar a vida com olhos duplos de cumplicidade honesta e verdadeira.
A qualquer instante podemos despertar e compreender o que sobra ou falta em nossa existência – tudo aquilo que passa do espontâneo, torna-se uma necessidade, e o amor não sobrevive sem os nutrientes do afeto e da partilha plena.
Perder um grande amor não significa o fim das nossas vidas, e deveria ser um degrau de evolução de nossa compreensão e responsabilidade com o próximo, depurando nossa capacidade de dar e receber. Muitas vezes nos iludimos e procuramos reconexões de laços rompidos – difícil quando a estrutura já possui fraturas e desgastes de material que não permitem sustentar nada mais do que o passado. Aí, é cuidar para que nosso desejo não realizado não se converta em veneno que tira a nossa lucidez e e autoestima.
Talvez alguns filósofos e poetas vejam beleza na melancolia da separação – o restante dos mortais sofre sinceramente até que um novo amor desperte o coração e tire a amargura. Quem viveu uma separação (ou muitas) sabe que cada trilha do amor é única, sem similar – sempre beijamos nas bocas de hoje as lágrimas de alguém, mas também amadurecemos como amantes e parceiros – compreender o amor é saber que só quem sofreu e rasgou o coração, terá o perdão da existência! O resto não faz sentido!


