“Nem tudo que dói é doença.”
Estamos transformando a vida em laudo. O sofrimento humano, que sempre existiu, passou a ser tratado como transtorno.
A tristeza virou sintoma. A agitação virou diagnóstico.
A infância se tornou um campo minado de rótulos.
Esse fenômeno tem nome: patologização da vida.
É o ato de tratar como doença aquilo que faz parte da existência humana.
Sentir demais, reagir ao mundo, não se encaixar em determinados padrões virou motivo para prescrição, laudo e, muitas vezes, silenciamento.
Uma criança inquieta na sala de aula é considerada hiperativa.
Um adolescente que sofre com a pressão do desempenho é rotulado como deprimido.
Um adulto exausto pela sobrecarga do cotidiano é visto como ansioso patológico.
Os transtornos mentais existem e são muito sérios, mas também é real o risco de transformar respostas legítimas à vida em problemas clínicos.
Muitas vezes, o que chamamos de sintoma é apenas reação ao excesso de cobrança, à solidão, à falta de tempo, à escola rígida, ao trabalho opressor, ao mundo que não permite pausa ou mesmo só a vida, com suas frustrações naturais, decepções, perdas e limites que fazem parte do caminho.
Estamos tentando corrigir indivíduos quando, na verdade, é o ambiente que adoece.
Estamos medicando o que, talvez, precise apenas de escuta, acolhimento, mudança de contexto.
Tratar a dor é necessário.
Mas chamar de doença tudo que é desconfortável é perigoso.
Nem tudo precisa de rótulo.
Nem tudo precisa de remédio.
Às vezes, basta tempo, vínculo, e um espaço real para existir.
Luciana de Moreschi | Psicóloga, Comunicadora e Palestrante