Emitimos sinais o tempo todo, nossos corpos falam, nosso silêncio fala por nós.
O mundo está datado, por vezes datas comuns, datas que assinalam acontecimentos importantes, ou que pontuam compromissos relevantes.
Seguimos cronograma, temos número para embarque, número para tudo quanto é necessidade, até para o que é desnecessário. Temos enfim, número para que possamos existir.
Os códigos ultrapassam a psicologia, sinalizam o ir e vir, tornam-se aglomerados científicos, emaranhados cibernéticos, bandeiras políticas e apontamentos para as nossas melhores condutas, não apenas morais, mas marqueteiras.
A existência se traduz em criação, cocriação, multiplicidade, mas também pertencimento.
Todos querem pertencer de mais ou de menos, todos usufruem assim como uma roda gigante que ora está em cima, ora embaixo, do palco e da plateia.
De forma mais ou menos consciente, todos vemos na comunicação um meio para dar terreno ou altos voos aos nossos valores, ideias, ideais, conceitos, crenças.
Somos estimulados o tempo todo, e ter destaque num meio extremamente plural, mas que determina por meio de códigos o valor de uma ideia, de um produto ou até mesmo de uma pessoa, torna-se por vezes um labirinto quase sem saída.
Nas mais variadas profissões, buscamos por uma carreira, buscamos por meio de um ofício, realização pessoal, mas acima disso, visamos estabilidade financeira.
Diante de tantos códigos que mudam e ditam ora vai, ora vem, o que é ou pode ser considerado promissor, significativo o suficiente, ou de um sucesso transcendental, a verdadeira realização pessoal perde um pouco o espaço para a necessidade de estabilidade financeira; nem sempre pelo óbvio, os valores que contabilizamos na conta bancária, mas esta estabilidade torna-se uma “carta de alforria” de empregos e ou patrões muitas vezes abusivos.
Todos almejam liberdade de escolha, e em tempos que podemos contar com novas profissões sem a necessidade de delegar tanto ou que nos tornam patrões de nós mesmos, autonomia vem quase como um grito de desespero.
Neste contexto, entendemos um pouco da relação profunda que há entre liberdade de escolha ou necessidade de escolha.
Infelizmente num mundo desigual, muitos possuem apenas necessidade de escolha e muitos outros na prática, nenhuma escolha.
Dados apontam que profissões futebolísticas e modelos das áreas fashion ou fotográfica sempre foram vistas como um meio mais acessível de promoção social, mesmo com as naturais dificuldades que envolvessem estes meios. Tidos estes ofícios como um boom para uma mudança de vida ou para quem cogitasse apenas fama, a busca por estas áreas sempre foi predominante.
Não por coincidência, mais de 90% dos jogares de futebol vem das classes mais baixas.
O futebol é considerado um grande negócio desde o início do século passado, mas é importante ressaltar que tanto esta profissão quando a de modelo, assim como qualquer outra, possui suas próprias dificuldades e desafios, e sucesso não é garantia absoluta. Ainda sim, a possibilidade de alcançar fama e reconhecimento financeiro, é um forte motivador para os que buscam mudança de vida.
Hoje com o acesso um pouco mais democrático das redes sociais, ter um aparelho telemóvel, é semelhante a ter um canal de televisão, disponível vinte e quatro horas para si. O mundo pode lhe ver e você pode ver mais do mundo.
As profissões antes tidas como únicas “janelas” para uma mudança de vida, hoje nem são mais prioridades.
Muitas profissões já nem existem mais, muitas outras estão deixando de existir aos poucos no que rege a importância que antes tinham, e novas profissões estão surgindo.
Ganhar dinheiro a qualquer custo pode ser um motivador, para além de qualquer real necessidade.
O que tem tido valia não é só o dinheiro, o que importa mesmo é o poder, pelo menos é o que temos visto na prática de muitos.
E eis que escrever antes tido como ambição de quem precisava gritar algo importante ao mundo, tornou-se também “penico” das banalidades mal resolvidas de quem nem ouve, mas sempre garante que tem muito a dizer.
Quem escreve nem sempre está de todo alfabetizado. Conjugar bem os verbos não concede garantia de criatividade, assim como ser criativo não significa dominar uma narrativa com todas as suas nuances, formas e “ganchos” necessários.
Querer nem sempre é poder. Há que se entender que o contexto importa tanto quanto o que está nas entrelinhas.
Embora haja inúmeros recursos estilísticos, saber escrever não é sinônimo de “saber” ser escritor.
Muitos querem escrever e dedicam-se para, estudam, exercitam-se diariamente e isso é válido e possível.
Mas, tornar-se um escritor está para além de simplesmente obter números no ISBN. Tornar-se escritor é também prática, mas não somente.
Não nascemos médicos, nos tornamos médicos, mas há um espírito que fala mais alto dentro daquele que se vê neste ofício, que não se resume aos resultados financeiros.
Há naquele ou pelo menos em sua maioria, uma vontade genuína de dialogar com as necessidades humanas, de colaborar no avanço da saúde, de ajudar na prevenção, no combate às doenças físicas ou psíquicas e principalmente, a compreensão de que estarão ali numa dedicação maior do que o puro e simples prazer. Estão num compromisso de salvar vidas.
Muitos querem ser médicos. Poucos realmente são médicos.
Assim como quem deseja tornar-se um escritor, há que se ter uma propulsão do espírito para além da simples habilidade de escrita, que pode ser sim exercitada, mas que não se sustenta por si só.
É preciso um dom maior em contar ou recontar histórias, ter em essência a genuína vontade e pré-disposição de comunicar-se para além da linguagem comum, óbvia.
Domina uma narrativa aquele que vence concursos ou está na lista dos “Top 10” mais vendidos do ano, mas, o prestígio nem sempre é feito de coerência, e sim de demanda, e a demanda não obedece uma verdade absoluta e nem mesmo um real prestígio do que pode ser melhor, mas sim do que vende-se melhor.
Somos testemunhas que marcas perduram o tempo por dominarem o mercado e cocriarem marcas que disputam com elas mesmas.
E na literatura não é diferente. Poucos se importam com a real qualidade literária desde que os números avancem.
Lembram-se dos códigos?
Editoras são empresas. Livros são produtos. E demanda, é chave e cadeado.
Os primeiros dez da lista sempre serão os mais procurados, mesmo que não falem diretamente o que queremos ou buscamos.
Para tornar-se de fato um escritor que não seja apenas um vendedor de livros, este precisa ter disposição genuína, e independentemente da maneira como ele busca suas criações, é indispensável que ele tenha amor pelo ofício.
Boa vontade não basta. Querer apenas holofotes não basta.
Mesmo que ele acredite que o ofício da escrita não gere dinheiro suficiente para torná-lo rico, a relevância de quem escreveu o livro gera números altíssimos. E quem escreve, tecnicamente terá maior alcance de mídia e oportunidades.
Infelizmente é por isso que muitos ambicionam a todo custo tornar-se escritores.
A verdade é que nem todo mundo ama escrever. Nem todo mundo ama seus leitores. Nem todo mundo vê na escrita uma ponte transformadora.
O que há de errado nisso? Tudo!
Não queremos ser atendidos por um médico que esteja atuante apenas pelo seu ordenado, mas que tenha real compromisso com sua atuação médica. Se amar o ofício, melhor ainda.
Não queremos ler qualquer coisa apenas porque está na lista dos tidos como melhores do ano. Queremos ler algo relevante, mesmo que em termos pessoais possa não ser do nosso agrado.
Queremos qualidade literária e se houver autores que amam seu ofício para além do que esperam, melhor ainda.
Para ser um autor, não posso ser também um vendedor de livros? Pode e deve!
Mas ambos precisam caminhar juntos. Você até pode escrever e não vender nada, mas vender e não amar o ofício é improdutivo para a nossa sociedade que já carrega excessos e já está com tanta produção descartável.
Entrando na seara de quem consome, muitas comunidades literárias por exemplo, defendem o slogam de “salvadores” literários, quando em verdade, apenas selecionam livros para leitura e divulgação por títulos renomados ou por sobrenomes amigos.
Enquanto muitos adquirem títulos famosos para resenhar em seus canais de You Tube ou Instagrans, novos escritores precisam ceder seus livros ou não serão nem mesmo lidos, quanto mais divulgados.
Não escrevo esta coluna para colocar em guilhotina os meios seletivos escolhidos pelas comunidades literárias, até porque há felizmente exceções, mas quero sim dar luz a uma profunda reflexão sobre até onde podemos ir sem separar o joio do trigo.
Quando tornamos algo um ofício, devemos nos valer de uma atitude ética que não beneficie uns em detrimento de outros. E quando isso acontecer, que seja algo claramente divulgado. Afinal, o que vale para César, vale para João.
No mundo literário, assim como em variadas áreas, sempre veremos aqueles que compactuam com uma falsa ideia de que fazer é melhor do que não fazer nada, sendo que em verdade, se é para fazer alguma coisa, que seja então bem feito.
Validamos tempo com isso, justamente num mundo em que tempo de qualidade está cada vez mais escasso.
Escrever não é para todos, mas muitos escrevem.
Que façamos então de nossas escolhas as melhores possíveis, pautadas não somente por caminhos que repitam e propaguem falsas ideias. Que façamos do nosso pensamento crítico, condutor realmente atuante em boas causas.
Respeite-se como leitor. Não seja aquele que lê porque todos leem. Leia pelos seus reais propósitos.
Respeite-se como criador literário. Escreva se esta for sua verdadeira vontade para que não se torne um escritor que se vende, mas que por consequência venda livros.
Por Amanda da Silveira Lopes
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