Regulamentação das Mídias Digitais no Brasil: Liberdade e Responsabilidade

Juliana Dorigo­ ­­­- Vivemos um dos debates mais urgentes da atualidade: a regulamentação das mídias digitais no Brasil. Para compreender o tema com profundidade, é essencial distinguir dois conceitos fundamentais, regulamentação e censura, e compreender os objetivos que os diferenciam.

Regulamentar não é censurar

Regulamentar significa estabelecer normas para o exercício da liberdade de expressão, garantindo direitos e deveres no espaço digital. Já a censura consiste em restringir ou impedir essa liberdade, muitas vezes de forma autoritária. Diversos países democráticos contam com legislações e órgãos reguladores voltados à proteção de crianças e adolescentes, combate a crimes digitais, proteção de dados, entre outros.

No Brasil, ainda há quem confunda liberdade de expressão com impunidade. Comentários ofensivos, ameaças e crimes contra a honra se propagam com facilidade nas redes, afetando vidas e reputações. A liberdade de pensamento é um direito constitucional, mas não pode ser usada como escudo para práticas criminosas.

O Marco Civil da Internet

O principal marco legal que orienta o uso da internet no país é o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). A legislação estabelece princípios e deveres para usuários e provedores, assegurando:

  • A proteção da privacidade e dos dados pessoais;
  • A liberdade de expressão;
  • A neutralidade da rede (tratamento igualitário dos dados);
  • O direito ao consentimento informado para coleta e uso de informações;
  • A exclusão de dados ao fim da relação com provedores;
  • A responsabilização dos provedores por conteúdos nocivos, mediante justificativa;
  • A livre manifestação do pensamento, desde que não viole direitos de terceiros.

Esse arcabouço jurídico busca equilibrar os direitos individuais com a segurança coletiva em um ambiente onde os impactos da comunicação são cada vez mais amplos.

Países que já regulamentam as mídias digitais

O Brasil não parte do zero nesse debate. Diversos países já regulamentaram o ambiente digital com o objetivo de proteger a democracia, os direitos fundamentais e a segurança de seus cidadãos:

  • Alemanha: A NetzDG (Lei de Execução da Rede), em vigor desde 2018, exige que plataformas removam discursos de ódio e conteúdos ilegais em até 24 horas.
  • França: A legislação contra fake news, aprovada em 2018, permite ao judiciário remover conteúdos falsos durante períodos eleitorais.
  • Reino Unido: O Online Safety Bill, aprovado em 2023, responsabiliza plataformas por conteúdos nocivos, como discurso de ódio, abuso infantil e desinformação.
  • União Europeia: O Digital Services Act (DSA) estabelece obrigações de transparência, moderação de conteúdo e proteção de direitos digitais em todo o bloco.
  • Austrália: Adotou regras severas de combate à desinformação e impõe multas às plataformas que não agirem rapidamente diante de conteúdos prejudiciais.

Esses modelos mostram que é possível regulamentar com base em valores democráticos, promovendo o equilíbrio entre liberdade e responsabilidade digital.

Pontos de melhoria no Marco Civil da Internet

Apesar de sua importância e caráter pioneiro, o Marco Civil da Internet precisa de atualizações que o tornem mais eficaz diante dos desafios contemporâneos.

Em decisão recente, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet, reinterpretando que as plataformas digitais podem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros, mesmo sem ordem judicial prévia.

Essa mudança sinaliza uma nova etapa: as plataformas devem agir preventivamente para remover conteúdos nocivos ou ilegais, sem aguardar decisões judiciais. A atualização do Marco Civil é fundamental para acompanhar a evolução tecnológica e garantir que a internet continue sendo um espaço democrático, seguro e justo para todos.

Também é preciso reforçar a transparência algorítmica, de modo a exigir que as plataformas expliquem como os conteúdos são promovidos ou ocultados. A Criação de mecanismos mais eficazes de denúncia e moderação, especialmente em casos de violência contra mulheres, racismo e discurso de ódio. Atualmente, este recurso é completamente robotizado, tendo falhas e demora na apuração das denúncias de usuários. Também é preciso atenção à proteção de crianças e adolescentes, com medidas específicas para limitar o acesso a conteúdo inapropriado e proteger a integridade digital de menores; e ainda a ampliação da educação digital, garantindo que usuários compreendam seus direitos, deveres e os riscos no ambiente online.

Outras legislações relacionadas

Além do Marco Civil, outras normas compõem o sistema jurídico da comunicação no Brasil:

  • Constituição Federal (Art. 220): garante a liberdade de expressão e veda qualquer forma de censura.
  • Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67): considerada parcialmente inconstitucional, mas ainda relevante historicamente.
  • Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/97): organiza os serviços de telecomunicação e cria a Anatel.
  • Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/11): fortalece a transparência no acesso a dados públicos.
  • Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/62): estabelece normas para a radiodifusão, considerada serviço de interesse público, como saúde e transporte.

Quem regula?

Diversos órgãos desempenham papéis importantes na formulação de políticas públicas e na regulação dos serviços de comunicação.

  • Anatel: fiscaliza serviços de telefonia, internet e TV por assinatura.
  • Ministério das Comunicações (MCom): atua na formulação e execução de políticas de comunicação.
  • Conselho de Comunicação Social (CCS): órgão consultivo do Congresso Nacional.
  • Ancine: regula e fomenta o setor audiovisual no Brasil.

As redes sociais e a crítica de Luiz Felipe Pondé

O filósofo Luiz Felipe Pondé, em seu comentário no Jornal da Cultura (jan/2025), refletiu sobre o papel das redes sociais na vida pública. Para ele, parte do problema está na ilusão de que todos se tornaram emissores de conteúdo e, com isso, o debate público se deteriora:

“Parte das pessoas que transitam pelas redes sociais o fazem com a ideia de que passaram a ser emissores de conteúdo. (…) As redes sociais são como pessoas na rua jogando tomates. Parece democrático, mas o consenso sobre democracia pode se complicar dependendo de como olhamos.”

Pondé nos convida a pensar sobre como as redes digitais moldam discursos, muitas vezes superficiais e violentos, sob a aparência de liberdade democrática.

Garantia de direitos fundamentais

Assim como outros serviços essenciais, como saúde, energia e transporte, a comunicação digital também precisa ser regulada, especialmente quando atinge o interesse público.

A regulamentação das mídias digitais não busca calar opiniões, mas sim garantir direitos fundamentais, combater crimes e promover uma convivência saudável no ambiente virtual.

A liberdade de expressão continua sendo um pilar democrático, mas não pode ser usada como justificativa para desinformação, discurso de ódio ou abusos. Regular é garantir que todas as vozes possam se manifestar com responsabilidade, segurança e respeito mútuo.

Juliana Dorigo

Jornalista pós-graduada em Gestão de Conteúdo e Marketing de Mídias Digitais, com atuação em produção de conteúdo multimídia, assessoria de imprensa, marketing digital e fotografia. Desenvolve projetos voltados à comunicação institucional, cultura e imagem, com experiência em empresas públicas, privadas e do terceiro setor.

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