Idas ao cemitério sempre me trazem uma avalanche de lembranças. Quando menina havia toda uma preparação nas vésperas de Dias das Mães e de Finados. Colhíamos flores no quintal de casa e lá íamos todas nós: minha mãe, minhas tias e eu, munidas de baldes, panos e vassouras, apertadas no fusca amarelo-manga de meu tio Olympio.
Aos poucos a lotação do fusca foi diminuindo e a do túmulo aumentando. Primeiro minha tia Sila, depois o próprio tio Olympio, mais tarde minha tia Joana.
Restaram minha mãe e eu, tranquilamente acomodadas, no meu próprio carro, sem vassouras e baldes, pois já pagávamos, mensalmente, uma pessoa para manter limpo o túmulo.
As flores também já não eram as cultivadas em casa. Comprávamos na Praça do Cemitério, e minha mãe, invariavelmente, vaticinava: quando eu morrer, ninguém mais virá aqui trazer flores.
A certeza dela, presumo, vinha das minhas reclamações e até (por que não dizer?) da minha má vontade em perder a tarde no cemitério, numa verdadeira via sacra aos mausoléus e sepulturas de outros familiares e conhecidos, cujas biografias e causa mortis eram repisadas anualmente: “esse moço bonito se suicidou, colocou uma porção de formicida, na unha de seu dedo mindinho, despejou no café e bebeu diante da namorada que o havia rejeitado”; ou “essa menina era cruzadinha ( para quem não sabe, cruzadinhas eram a versão kids das Filhas de Maria), o pai não percebeu que ela estava atrás do caminhão e a atropelou”, entre muitas outras histórias, as quais vou relembrando pelo caminho da porta do cemitério ao túmulo da família, conforme vejo as lápides com as fotos do moço bonito, cujo sorriso continua congelado na fotografia, e a da menina com laçarote de fita nos cabelos e de olhar tímido, por trás dos óculos.
Pois é, hoje, mais uma vez, levei flores ao túmulo de minha mãe, de minhas tias, de meus avós e de meu pai.
Deixei lá o vaso lindo de florzinhas coloridas e, de novo, como faço nos últimos anos, eu disse à minha mãe: – Viu só? Eu continuo vindo!
Não fui sozinha. O meu querido Gabriel me acompanhou, carregou os vasos e ouviu a história do moço que se suicidou, a da cruzadinha, e acrescentei uma ou duas que me vieram à memória durante o passeio pelas alamedas. Admito que me senti tentada a dizer a ele: daqui a pouco, quando eu me for, ninguém mais virá ao cemitério trazer as flores.
Mas me segurei e não disse. Não quero deixar esse encargo a ele, que não é meu filho, mas amo como se fosse.
Também deixei minha mãe avisada que não retornaria ao túmulo tão cedo, a menos que a minha perna e meu joelho esquerdo deixassem de doer, pois hoje, debaixo do sol do meio-dia, a ida ao cemitério e as visitas aos túmulos foi quase uma sessão de tortura.
Assim me despedi dos meus mortos pela segunda vez! Na próxima só vou carregada. Tomara que demore um pouco ainda…
Henriette Effenberger