Zefa Crônica

Durante muitos anos me habituei a chegar no banco para trabalhar e antes de qualquer outra coisa ir diretamente à copa para tomar o café, recém coado, que ainda estava fumegante na garrafa térmica. Nessas alturas as faxineiras também já haviam retirado o lixo dos cestos individuais, o salão estava limpo e pronto para receber os primeiros funcionários do turno que se iniciaria às sete da manhã.
Por isso, quando assumi em uma nova agência, ao chegar uns dez minutos antes das sete, estranhei os sacos de lixo espalhados, o salão sem varrer e na cozinha nem água esquentando para o café. Perguntei à faxineira qual o horário que ela fazia e me respondeu que trabalhava das seis às dez e um segundo período das dezessete às 21 horas. Pedi a ela, então, que no segundo período retirasse o lixo e varresse o salão, assim no período da manhã ela poderia lavar os banheiros e deixar o café pronto às sete horas.
Adiantou pouco. Nos dias seguintes já tinha café, possivelmente feito na noite anterior e que me pareceu choco na garrafa. Mas o lixo ainda não havia sido recolhido, nem os banheiros lavados. Uma semana ou dez dias depois minha recomendação já havia caído no vazio.
Já estava pensando na possibilidade de pedir à terceirizada que substituísse a faxineira, quando ela me avisou que entraria de férias nos próximos dias e tinha recomendado uma conhecida da igreja que frequentava para substituí-la no período.
Quando Zefa se apresentou fiz a ela as mesmas recomendações sobre como organizar o trabalho dentro dos turnos. E no dia seguinte, assim que abro a porta, já sinto o cheiro do café fresquinho me dando as boas-vindas!
O salão estava limpo, todo o lixo devidamente acondicionado e encontro a Zefa, com um estilete raspando os rejuntes dos azulejos da cozinha para retirar o limbo e o encardido. E assim foi durante todo o mês.
Dias antes do término das férias da outra faxineira, tomo a decisão de efetivar a Zefa, mas antes resolvi ter uma conversa com ela:
– Zefa, daqui a dois dias terminam as férias da Iraci…
– Eu sei, ela me falou mesmo.
– Então, eu pretendo dispensar a Iraci e efetivar você. Você pode assumir o trabalho?
– Mas, dona, foi a irmã que me arrumou esse trabalho porque eu precisava muito desse dinheiro. A senhora vai dispensar ela?
– Sim, vou, não precisamos de duas faxineiras aqui na agência. Mas se você não aceitar o serviço, vou ficar com a Iraci até conseguir outra pessoa.
– Mas não está certo, né? O trabalho era dela e foi ela que me mandou aqui.
– Você é que sabe, estou falando com você porque gostei bastante do seu serviço. Pense e depois me dê uma resposta.
Zefa saiu de cabeça baixa, foi lá para os fundos da agência, cinco minutos depois voltou:
– Vontade do Senhor! Vontade do Senhor! Eu fico.
E eu, que sou ateia, pensei: nada como ter um deus para aliviar nossa consciência…

Henriette Effenberger

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2 thoughts on “Zefa Crônica

  1. Mário Enéias Doro 5 de outubro de 2022 at 12:09

    Texto perfeito e contundente

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  2. Celso Capodeferro 5 de outubro de 2022 at 18:18

    Zefa! … Mais um ensinamento;
    parece que não, mas tudo na vida é sempre muito detalhado.

    Responder

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